No último domingo (07), nada menos que
66 comunicadores independentes começaram o dia com uma surpresa nada agradável: foram notificados pelos administradores do
Twitter sobre um mandado de citação e intimação liminar derivado de ação por calúnia movida contra eles pelo senador
Aécio Neves (PSDB/MG) (
veja aqui).
Para o candidato tucano a presidente, as críticas coletivas a sua pessoa são fruto de “robôs”, como são chamados perfis falsos criados nas redes sociais para disseminar conteúdo contratado, ou militantes pagos por partidos de esquerda para desconstruir sua imagem pública, e dos quais sua campanha tentou, sem sucesso, coletar IP (Protocolo de Internet, na sigla em inglês, dado que pode localizar geograficamente usuários da rede) e dados cadastrais.
A “denúncia” não vicejou na Justiça, e ainda rendeu “bronca” do Twitter ao candidato a presidente: “Com a devida vênia, são meras elucubrações do autor, absolutamente desprovidas de qualquer indício de veracidade”, pontuou comunicado da empresa, em resposta a pedido do próprio juiz acionado por Aécio, que negou pedido de sigilo sobre a ação e determinou que provas concretas de irregularidade fossem apresentadas de acordo com os perfis dos militantes virtuais.
“Quanto à conduta de usuários cuja ilicitude em nenhum momento restou demonstrada, não podem servir de fundamento para a eventual quebra do seu sigilo de dados. Admitir esse tipo de medida corresponde a transformar o Poder Judiciário em instrumento de perseguição de cidadãos, dando margem ao surgimento de um Estado policialesco, que desconsidera as garantias fundamentais dos cidadãos de forma injustificável. (…) No mérito, requer o Twitter Brasil que seja julgada improcedente a demanda, com a condenação do Autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios”, concluiu o Twitter.
A reticência do judiciário em acatar o pedido de Aécio e a defesa inflamada do Twitter indicam que se alguém pode ser acusado de calúnia em mais este imbróglio promovido pelo senador mineiro é ele próprio, ao tentar criminalizar o direito constitucional à liberdade de expressão sempre que fatos não favoráveis à sua imagem e propósitos políticos são difundidos e democraticamente discutidos.
Acusados falam
Fernando Castro (perfil @ciscozappa), mineiro residente em Belo Horizonte, sociólogo que trabalha na área de educação e planejamento urbano socioparticipativo, destaca que todo o material compartilhado por ele é de conhecimento público. “Condeno qualquer tipo de difamação. Quando se publica algo de que não se tem prova material ou análise por parte da Justiça – como, aliás, o faz boa parte da grande mídia –, está se produzindo falso jornalismo e destruindo imagens públicas”, ressalta Fernando.
“Os conteúdos relacionados ao senhor Aécio Neves que difundi são de conhecimento público e podem ser lidos também em jornais e revistas de circulação nacional. Um deles, o conhecido caso do aeroporto na cidade de Cláudio (MG), em terreno de propriedade da família do senador. Outros, relacionados aos processos judiciais envolvendo desvios de verbas para a área da Saúde, e casos semelhantes durante sua gestão no governo de Minas Gerais”, conta.
Regina Salomão (perfil @ReginaSalomo), de Juiz de Fora (MG), é professora aposentada da Universidade Federal baseada na mesma cidade, diz que não conhece seus colegas de perseguição, e garante que não existe “rede de difamação”, como sustenta Aécio. “Não conhecia nem seguia a maior parte dos 66 tuiteiros, o que é outro argumento contra a formação de uma rede de difamação. De qualquer modo, o Twitter é uma rede com a ferramenta RT, o que caracteriza a normalidade de seu funcionamento como rede”, protesta.
“Minhas divulgações dos atos do candidato foram exclusivamente baseadas nas notícias divulgadas pela mídia, e sempre coloquei os links das matérias ou marcava o nome dos jornais com hashtags (o sinal de #) em meus tweets. Sou mineira, acompanhei as gestões do Aécio e acrescentei comentários sobre as mesmas. Não difamei nem caluniei ninguém. O senador é que terá que provar que sou um robô, pago, e que atuo em rede”, desafia.
O próprio perfil dos processados por Aécio dificulta a argumentação de que há uma “milícia” virtual cujo alvo seria a reputação do PSDB mineiro.
Stella de Mendonça (perfil @stellamendonça), paulistana, conservadora e restauradora de bens culturais é perita na obra da artista plástica modernista Annita Malfatti, e diz não ter preferência política: em 1994 e 1998, por exemplo, votou por Fernando Henrique Cardoso. “Nunca fui militante. Votei em FHC, o qual me trouxe plena decepção. Comecei a usar o Twitter recentemente, em 2012, divulgando os absurdos noticiados maciçamente pela mídia sobre o julgamento do ‘mensalão’ do PT”, revela.
“O que mais divulguei, considerado ilícito pelo senador, foram seus atos comprovadamente ilegais, fatos divulgados até pela mídia velha, e especialmente as denúncias do Novo Jornal, cujo dono está preso devido a uma ação por ‘formação de quadrilha’, movida pelo senador e acatada pelo Ministério Público de Minas”, completa.
Stella ressalta que também divulgou com intensidade o caso do aeroporto construído pelo governo estadual de Minas em terreno pertencente à família de Aécio, sempre ressaltando a fonte. “Também difundi o escândalo relacionado ao senador, do aeroporto construído na fazenda de seu tio, a ligação dele com os Perrellas e o helicóptero apreendido com mais de 400 kg de pasta-base cocaína. Tuitava o link das matérias que apresentavam fatos e documentos, pra garantir a veracidade”.
Indignado com mais essa tentativa do senador mineiro de, como fez em Minas Gerais em seus dois mandatos como governador, uniformizar a informação e a opinião de forma a favorecer seu partido e sua imagem pessoal, o Dr. César Marcos Klouri abraçou a defesa dos 66 cidadãos, de forma solidária e gratuita.
Segundo Regina Salomão, o grupo tem recebido muitas manifestações de solidariedade de “todos que são contrários à censura, que prezam e defendem a liberdade de expressão, que odeiam a ditadura sob qualquer forma. Muito linda a reação das pessoas. O Brasil avançou mesmo”.
Segundo o deputado estadual Rogério Correa (PT), um dos criadores do Movimento Minas sem Censura, Aécio não sabe lidar com adversidades, tratando quem se contrapõe às suas ideias e atos não como adversários, mas como inimigos, que, portanto, “têm de ser aniquilados, politicamente”.
Outros casos, outro (e perigoso) instrumento de silêncio
Como as acusações de Aécio contra a mídia independente não se sustentam legalmente, o senador lança mão de outro recurso jurídico, com o mesmo propósito de calar as vozes dissonantes, mas com maior peso intimidatório: mover ações por “formação de quadrilha”.
No início do ano, devido à imensa repercussão da apreensão de uma carga de quase meia tonelada de pasta-base de cocaína transportada em helicóptero de propriedade do senador Zezé Perrela (SDD-MG), amigo pessoal e aliado político de Aécio, o candidato processou o Facebook por “direito de imagem”, de forma a tentar cercear a difusão de qualquer conteúdo que o associasse ao caso e aos envolvidos neste, o que, de novo, creditou a “quadrilhas pagas para difamá-lo”.
Em junho passado, acatando denúncia da equipe ligada à candidatura do senador, o Ministério Público do Rio de Janeiro determinou à polícia cumprir mandato de busca e apreensão na casa da jornalista do Canal Brasil Rebeca Mafra, acusada de fazer parte, com mais quatro pessoas, de uma “quadrilha” formada para difamar o candidato Aécio nas redes.
Foram apreendidos um computador, dois HDs externos, pen drives, chips de computador, CDs com fotos e um roteador, e rigorosamente nada que incriminasse os acusados foi encontrado. No mesmo dia, outros 13 mandatos desse tipo foram cumpridos no Rio de Janeiro.
Em agosto, Aécio processou o Google, Yahoo! e a Microsoft, tentando impedir que tais portais mostrassem resultados de buscas sobre o desvio de verbas na saúde de Minas Gerais durante a sua gestão como governador do estado, o que “quadrilhas formadas e remuneradas” para caluniá-lo difundiam nas redes sociais, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido.