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Médicos que receitaram o impeachment estão reclamando de que agora?





Mauro Donato

Generalizar significa ofender as exceções. Mas as classes de médicos apoiaram em peso o impeachment de Dilma Rousseff. Centenas de Conselhos regionais e o próprio Conselho Federal de Medicina patrocinaram o golpe.

O Sindicato dos Médicos do Ceará espalhou outdoors por toda a cidade de Fortaleza convocando os panelaços. A Associação Médica Brasileira pagou para publicar anúncios em jornais espinafrando o governo petista e convocou ‘pacientes e amigos’ para irem à av Paulista. E não ficou restrito apenas aos profissionais. Foram muitas as faculdades de medicina que fizeram campanha pró Aécio com os formandos. Portanto exceções confirmam a regra.

Por que agora estão tão revoltados com o ministro da Saúde de Michel Temer? Se o ministro Ricardo Barros é especialista em disparar frases recheadas de sandices e preconceitos (como a mais recente que tem causado a fúria na categoria: “Os médicos precisam parar de fingir que trabalham”), por outro lado, ele atende aos anseios de todos aqueles que queriam ver Dilma pegar o boné e deixar o Palácio.

A pauta não era de um estado mínimo? Pois bem, tão logo tomou posse da pasta, Ricardo Barros já havia dito que o SUS precisaria ser revisto porque ‘infelizmente o governo não tem capacidade financeira para suprir todas essas garantias que tem o cidadão.’ Ali o caldo azedou entre médicos e o ministro. E de lá pra cá, tudo piorou, como a chuva de ovos no casamento de sua filha não deixa mentir.

Ricardo Barros está como ministro de Michel Temer há mais de um ano e já cometeu gafes (para não dizer outra coisa) inacreditáveis. Barros é engenheiro de formação, portanto seu conhecimento sobre saúde associado a seu perfil ‘Temer’ que aprecia as ‘recatadas do lar’, propicia que solte pérolas como responsabilizar a ausência das mulheres em casa como causa da obesidade infantil (mesclou machismo com ‘achismo’).

Para comprovar que não se tratou de um deslize misógino, em outra oportunidade disse que os homens procuravam menos o atendimento de saúde porque ‘trabalham mais do que as mulheres’.

O ministro também já declarou – do alto de seu conhecimento acadêmico – que a população não colabora, exagera, que procura atendimento apenas por ‘imaginar estar doente’.

“A maioria das pessoas chega ao posto de saúde com efeitos psicossomáticos”, afirmou durante um evento na sede da Associação Médica Brasileira (aquela que pagou os anúncios exigindo ‘Fora Dilma’), quando aproveitou para passar um pito nos médicos, aconselhando-os a não pedirem tantos exames laboratoriais nem ficar prescrevendo remédios à toa.

“Não temos dinheiro para ficar fazendo exames e dando medicamentos que não são necessários apenas para satisfazer as pessoas”. Em tempo: o SUS, ao invés de ‘satisfazer’, tem deixado muita gente agonizando por não entregar remédios, e o ministério de Barros ainda reclama de uma ‘judicialização’ nos pedidos não atendidos.

Enfim, defender Ricardo Barros é impossível, mas os médicos pediram por isso.

A classe médica satanizou o Mais Médicos. Um programa que levou mais de 18 mil médicos a mais de 4 mil municípios (quando muitos deles não contavam com nem um único médico sequer) e que, de tão ‘ruim’, obteve nota média 9 (em uma escala de satisfação de 0 a 10), segundo levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realizado com mais de 14 mil pessoas em 700 municípios.

Infelizmente a medicina (de novo, salvo exceções) parece ter desvirtuado sua motivação primeira de salvar vidas e tornou-se uma atividade calculista.

Não queriam um engenheiro?



Postado em DCM em 17/07/2017




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Lula fez Sírio Libanês atender o SUS



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sus





D. Marisa não está no SUS, mas Lula fez Sírio Libanês atender o SUS


Eduardo Guimarães


Na semana que finda, os que ainda conservam a humanidade em um país que está se tornando desumano sofreram um duro golpe. A esposa do ex-presidente Lula sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico, o tipo mais grave. A partir dali, seguiu-se uma tempestade de selvageria, desumanidade, ódio e maldade que agride as pessoas decentes.

De alguns anos para cá, o ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff tiveram cânceres e, agora, a esposa do ex-presidente, dona Marisa Letícia, foi vitimada pelo AVC. Nem Lula nem Dilma fundaram o SUS nem tampouco são responsáveis pelos problemas de atendimento que possa haver na rede pública de saúde brasileira, mas ao adoecerem com tanta gravidade receberam ataques que nenhum outro presidente recebeu ao adoecer e ter que se tratar em hospitais.

Por exemplo: ano passado, em julho, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso descobriu que tinha um problema cardíaco e teria que usar um marca-passo. Foi internado no Hospital do Coração, em São Paulo, para realizar o procedimento. Nenhum dos subumanos que atacaram Lula, Dilma e dona Marisa exigiram que ele se tratasse no SUS. Por quê?

Se o fato de ser presidente de um país em que o sistema público de saúde tem falhas obriga esse presidente, durante ou após o mandato, a usar esse sistema em caso de doença, isso não deveria valer para todos os presidentes e ex-presidentes? Por que só ex-presidentes petistas são cobrados dessa forma?

As ponderações acima são apenas exercício de retórica porque todos sabem que o intuito de pessoas como as duas mulheres na foto acima e da horda de monstros que infecta a internet não decorre de questões de interesse público, mas de perversidade, de gana de fazer sofrer quem pensa diferente.

O SUS melhorou muito durante os governos do PT. Foi criado o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) em 2003, as UPA’s (Unidades de Pronto Atendimento 24 horas), o programa Mais Médicos, que garantiu a vinda de 14.462 médicos estrangeiros para cobrir o déficit de profissionais em localidades mais isoladas e pobres nas quais a população nunca tinha tido médico. Mas essa não é a questão.

Nenhum presidente da República é responsável sozinho pelo SUS. Os governos estaduais e municipais também têm responsabilidade. E todos sabem que nenhum governador ou prefeito que não seja do PT é cobrado pela saúde pública por gente como essa que agrediu dona Marisa no momento mais terrível de sua vida.

Essa gente diz ter religião, em geral uma religião que prega amor ao próximo, perdão, generosidade… Eis por que religião não diz nada, não serve para aquilo que deveria, ou seja, tornar as pessoas melhores. Há muito ateu que segue muito mais os preceitos do cristianismo que esses ratos de igreja que cometem atos desalmados como as duas mulheres da foto no alto da página.

Mas o que é mais irônico nem é isso. Dona Marisa está sendo agredida por estar em um hospital dito “VIP” como ocorre com qualquer pessoa da família de um político importante, mas foi graças ao marido dela que não apenas o SUS melhorou muito como muitas pessoas humildes, que se tratam no SUS, tiveram acesso a esse tipo de hospital “classe A”.

Sim, é isso mesmo. Lula foi o primeiro presidente a fazer com que os hospitais “chiques” atendessem o SUS.

O Ambulatório de Filantropia do Hospital Sírio-Libanês (HSL) completou em outubro do ano passado dez anos de atendimento a pacientes com câncer de mama referenciadas pelo Sistema Único de Saúde.

A partir de 2005, o Núcleo de Mastologia do Sírio Libanês realizou 2.371 cirurgias plásticas e, em pelo menos mil destes casos, também foram feitas reconstruções e simetrização das mamas, durante o mesmo procedimento cirúrgico da mastectomia.

Mas não é só. A obra de Lula para dar oportunidade a pacientes do SUS para tratamento em hospitais “de bacana” foi muito mais longe.

Seis hospitais filantrópicos da rede particular formalizaram em 2008 uma rede de apoio aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir de 2009, hospitais como Albert Einstein, Sírio Libanês, Oswaldo Cruz e Samaritano, que estão entre os mais caros de São Paulo, começaram a garantir o atendimento da população carente em suas unidades em troca de isenção de tributos federais.

Em 2009, Lula assinou a Medida Provisória 446, que regulamentou o apoio de hospitais classificados como filantrópicos aos hospitais do Sistema Único de Saúde. Seis instituições firmaram o acordo e apresentaram por escrito suas propostas de melhorias para a rede SUS

Sírio-Libanês, Albert Einstein, Oswaldo Cruz, Hospital do Coração (HCor), Samaritano e Moinhos de Vento deixaram de recolher quase R$ 1 bilhão de encargos trabalhistas. Em troca, realizaram cerca mais de uma centena de projetos de apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS). Alguns deles, afirmam especialistas, supriram carências importantes da rede pública.

Nunca antes na história deste país um presidente da República melhorou tanto o SUS quanto o presidente Lula, com medidas como a supra descrita e outras tão importantes quanto, como o Programa Mais Médicos, que permitiu que milhões de brasileiros se consultassem com um médico pela primeira vez na vida. E justamente esse presidente é atacado dessa forma.



Postado em Blog da Cidadania em 28/01/2017






Melhor e Mais Justo : Querem adoecer o SUS


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Victoria não estaria viva se Temer governasse há mais tempo






Eduardo Guimarães


Victoria Guimarães, de 17 anos, só está viva hoje porque, em um período crucial de sua vida, o Brasil não era governado por Michel Temer e, assim, o ministro da Saúde não era Ricardo Barros, deputado federal pelo PP paranaense, eleito graças a financiamento de campanha por empresas operadoras de planos de saúde.


Para entender o caso.

Em 2009, Victoria, portadora de Síndrome de Rett, necessitava de um procedimento clínico chamado “botox salivar” para impedir que se afogasse na própria salivação. Após 3 meses na Unidade de Terapia Intensiva do hospital Santa Catarina (São Paulo), tendo passado por retirada das glândulas salivares, injetar botox dentro da cavidade bucal era a única esperança de interromper pneumonias sucessivas causadas pela broncoaspiração da própria saliva – ia parar nos pulmões e causava pneumonia.

Os médicos solicitaram à operadora de planos de saúde Sul América que liberasse o procedimento, que, aliás, se aprovado permitiria que a menina deixasse a UTI, cujo custo, por dia, era muitas vezes mais caro do que a aplicação de botox na cavidade bucal.

Surpreendentemente, o plano não aprovou o pedido dos médicos. Argumento: na bula do medicamento botox não constava a aplicação que os médicos do hospital supracitado queriam lhe dar. Quem deu essa explicação obviamente que não era médico, pois os médicos que fizeram o pedido fundamentaram muito bem o pedido.

Os médicos de Victoria pediram 5 vezes à Sul América que liberasse o procedimento; foram cinco negativas do plano de saúde. A empresa estava inflexível. Não se abalou mesmo diante do argumento de que a menina não sobreviveria sem aquele procedimento.

Só restou à família de Victoria recorrer à Justiça, argumentando que, se a Sul América continuasse a negar aquele procedimento, Victoria não sobreviveria àquela internação, pois não havia como impedir que salivasse, a não ser colocando botox em sua cavidade bucal.

A liminar foi concedida rapidamente. Além disso, o juiz determinou atendimento via home care para que a menina tivesse todas as terapias que seus pais tinham que pagar à parte do que pagavam para o plano de saúde e que já não estavam mais suportando pagar devido a terem que arcar com o custo do próprio plano, que não oferecia nada a uma criança naquelas condições.

Para sorte de Victoria, sete anos atrás Michel Temer e seu “machistério” recheado de bandidos estavam longe de tomar o poder. 

Desse modo, o Brasil não tinha um ministro da Saúde com as ideias que recente reportagem do jornal O Estado de São Paulo denunciou.




Se você ficou revoltado com a notícia anterior, aí vai outra muito pior.




O ministro Ricardo Barros, há algumas semanas, propôs reduzir o tamanho do SUS e, agora, quer tirar dos brasileiros o único recurso para obrigarmos os planos de saúde a cumprirem suas obrigações, que foi o recurso usado pela família de Victoria Guimarães para impedir que ela se afogasse na própria saliva enquanto a Sul América contava suas pilhas de dinheiro.


Postado em Blog da Cidadania em 12/07/2016



A boçalidade do mal


Guido Mantega e a autorização para deletar a diferença


Eliane Brum

Em 19 de fevereiro, Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda dos governos de Lula e de Dilma Rousseff, estava na lanchonete do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, quando foi hostilizado por uma mulher, com o apoio de outras pessoas ao redor. Os gritos: “Vá pro SUS!”. Entre eles, “safado” e “fdp”. Mantega era acompanhado por sua esposa, Eliane Berger, psicanalista. Ela faz um longo tratamento contra o câncer no hospital, mas o casal estava ali para visitar um amigo. O episódio se tornou público na semana passada, quando um vídeo mostrando a cena foi divulgado no YouTube.

Entre as várias questões importantes sobre o momento atual do Brasil – mas não só do Brasil – que o episódio suscita, esta me parece particularmente interessante:

“Que passo é esse que se dá entre a discordância com relação à política econômica e a impossibilidade de sustentar o lugar do outro no espaço público?”.

A pergunta consta de uma carta escrita pelo Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública (MPASP), que encontrou na cena vivida por Guido e Eliane ecos do período que antecedeu a Segunda Guerra, na Alemanha nazista, quando se iniciou a construção de um clima de intolerância contra judeus, assim como contra ciganos, homossexuais e pessoas com deficiências mentais e/ou físicas. O desfecho todos conhecem. Em apoio a Guido e Eliane, mas também pela valorização do Sistema Único de Saúde (SUS), que atende milhões de brasileiros, o MPASP lançou a hashtag #VamosTodosProSUS.

Pode-se aqui fazer a ressalva de que a discordância vai muito além da política econômica e que o ex-ministro petista encarnaria na lanchonete de um dos hospitais privados mais caros do país algo bem mais complexo. Mas a pergunta olha para um ponto preciso do cotidiano atual do Brasil: em que momento a opinião ou a ação ou as escolhas do outro, da qual divergimos, se transforma numa impossibilidade de suportar que o outro exista? E, assim, é preciso eliminá-lo, seja expulsando-o do lugar, como no caso de Guido e Eliane, seja eliminando sua própria existência – simbólica, como em alguns projetos de lei que tramitam no Congresso, visando suprimir direitos fundamentais dos povos indígenas ou de outras minorias; física, como nos crimes de assassinato por homofobia ou preconceito racial.

O que significa, afinal, esse passo a mais, o limite ultrapassado, que tem sido chamado de “espiral de ódio” ou “espiral de intolerância”, num país supostamente dividido (e o supostamente aqui não é um penduricalho)? De que matéria é feita essa fronteira rompida?
"A descoberta de que aquele vizinho simpático com quem trocávamos amenidades no elevador defende o linchamento de homossexuais tem um impacto profundo"
A resposta admite muitos ângulos. Na minha hipótese, entre tantas possíveis, peço uma espécie de licença poética à filósofa Hannah Arendt, para brincar com o conceito complexo que ela tão brilhantemente criou e chamar esse passo a mais de “a boçalidade do mal”. Não banalidade, mas boçalidade mesmo. Arendt, para quem não lembra, alcançou “a banalidade do mal” ao testemunhar o julgamento do nazista Adolf Eichmann, em Jerusalém, e perceber que ele não era um monstro com um cérebro deformado, nem demonstrava um ódio pessoal e profundo pelos judeus, nem tampouco se dilacerava em questões de bem e de mal. Eichmann era um homem decepcionantemente comezinho que acreditava apenas ter seguido as regras do Estado e obedecido à lei vigente ao desempenhar seu papel no assassinato de milhões de seres humanos. Eichmann seria só mais um burocrata cumprindo ordens que não lhe ocorreu questionar. A banalidade do mal se instala na ausência do pensamento.

A boçalidade do mal, uma das explicações possíveis para o atual momento, é um fenômeno gerado pela experiência da internet. Ou pelo menos ligado a ela. Desde que as redes sociais abriram a possibilidade de que cada um expressasse livremente, digamos, o seu “eu mais profundo”, a sua “verdade mais intrínseca”, descobrimos a extensão da cloaca humana. Quebrou-se ali um pilar fundamental da convivência, um que Nelson Rodrigues alertava em uma de suas frases mais agudas: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”. O que se passou foi que descobrimos não apenas o que cada um faz entre quatro paredes, mas também o que acontece entre as duas orelhas de cada um. Descobrimos o que cada um de fato pensa sem nenhuma mediação ou freio. E descobrimos que a barbárie íntima e cotidiana sempre esteve lá, aqui, para além do que poderíamos supor, em dimensões da realidade que só a ficção tinha dado conta até então.

Descobrimos, por exemplo, que aquele vizinho simpático com quem trocávamos amenidades bem educadas no elevador defende o linchamento de homossexuais. E que mesmo os mais comedidos são capazes de exercer sua crueldade e travesti-la de liberdade de expressão. Nas postagens e comentários das redes sociais, seus autores deixam claro o orgulho do seu ódio e muitas vezes também da sua ignorância. Com frequência reivindicam uma condição de “cidadãos de bem” como justificativa para cometer todo o tipo de maldade, assim como para exercer com desenvoltura seu racismo, sua coleção de preconceitos e sua abissal intolerância com qualquer diferença.

Foi como um encanto às avessas – ou um desencanto. A imagem devolvida por esse espelho é obscena para além da imaginação. Ao libertar o indivíduo de suas amarras sociais, o que apareceu era muito pior do que a mais pessimista investigação da alma humana. Como qualquer um que acompanha comentários em sites e postagens nas redes sociais sabe bem, é aterrador o que as pessoas são capazes de dizer para um outro, e, ao fazê-lo, é ainda mais aterrador o que dizem de si. Como o Eichmann de Hannah Arendt, nenhum desses tantos é um tipo de monstro, o que facilitaria tudo, mas apenas ordinariamente humano.
"Ao permitir que cada indivíduo se mostrasse sem máscaras, a internet arrancou da humanidade a ilusão sobre si mesma"
Ainda temos muito a investigar sobre como a internet, uma das poucas coisas que de fato merecem ser chamadas de revolucionárias, transformaram a nossa vida e o nosso modo de pensar e a forma como nos enxergamos. Mas acho que é subestimado o efeito daquilo que a internet arrancou da humanidade ao permitir que cada indivíduo se mostrasse sem máscaras: a ilusão sobre si mesma. Essa ilusão era cara, e cumpria uma função – ou muitas – tanto na expressão individual quanto na coletiva. Acho que aí se escavou um buraco bem fundo, ainda por ser melhor desvendado.

Como aprendi na experiência de escrever na internet que não custa repetir o óbvio, de forma nenhuma estou dizendo que a internet, um sonho tão estupendo que jamais fomos capazes de sonhá-lo, é algo nocivo em si. A mesma possibilidade de se mostrar, que nos revelou o ódio, gerou também experiências maravilhosas, inclusive de negação do ódio. Assim como permitiu que pessoas pudessem descobrir na rede que suas fantasias sexuais não eram perversas nem condenadas ao exílio, mas passíveis de serem compartilhadas com outros adultos que também as têm. Do mesmo modo, a internet ampliou a denúncia de atrocidades e a transformação de realidades injustas, tanto quanto tornou o embate no campo da política muito mais democrático.

Meu objetivo aqui é chamar a atenção para um aspecto que me parece muito profundo e definidor de nossas relações atuais. A sociedade brasileira, assim como outras, mas da sua forma particular, sempre foi atravessada pela violência. Fundada na eliminação do outro, primeiro dos povos indígenas, depois dos negros escravizados, sua base foi o esvaziamento do diferente como pessoa, e seus ecos continuam fortes. A internet trouxe um novo elemento a esse contexto. Quero entender como indivíduos se apropriaram de suas possibilidades para exercer seu ódio – e como essa experiência alterou nosso cotidiano para muito além da rede.
"Finalmente era possível “dizer tudo”, e isso passou a ser confundido com autenticidade e liberdade"
É difícil saber qual foi a primeira baixa. Mas talvez tenha sido a do pudor. Primeiro, porque cada um que passou a expressar em público ideias que até então eram confinadas dentro de casa ou mesmo dentro de si, descobriu, para seu júbilo, que havia vários outros que pensavam do mesmo jeito. Mesmo que esse pensamento fosse incitação ao crime, discriminação racial, homofobia, defesa do linchamento. Que chamar uma mulher de “vagabunda” ou um negro de “macaco”, defender o “assassinato em massa de gays”, “exterminar esse bando de índios que só atrapalham” ou “acabar com a raça desses nordestinos safados” não só era possível, como rendia público e aplausos. Pensamentos que antes rastejavam pelas sombras passaram a ganhar o palco e a amealhar seguidores. E aqueles que antes não ousavam proclamar seu ódio cara a cara, sentiram-se fortalecidos ao descobrirem-se legião. Finalmente era possível “dizer tudo”. E dizer tudo passou a ser confundido com autenticidade e com liberdade.

Para muitos, havia e há a expectativa de que o conhecimento transmitido pela oralidade, caso de vários povos tradicionais e de várias camadas da população brasileira com riquíssima produção oral, tenha o mesmo reconhecimento na construção da memória que os documentos escritos. Na experiência da internet, aconteceu um fenômeno inverso: a escrita, que até então era uma expressão na qual se pesava mais cada palavra, por acreditar-se mais permanente, ganhou uma ligeireza que historicamente esteve ligada à palavra falada nas camadas letradas da população. As implicações são muitas, algumas bem interessantes, como a apropriação da escrita por segmentos que antes não se sentiam à vontade com ela. Outras mostram as distorções apontadas aqui, assim como a inconsciência de que cada um está construindo a sua memória: na internet, a possibilidade de apagar os posts é uma ilusão, já que quase sempre eles já foram copiados e replicados por outros, levando à impossibilidade do esquecimento

O fenômeno ajuda a explicar, entre tantos episódios, a resposta de Washington Quaquá, prefeito de Maricá e presidente do PT fluminense, uma figura com responsabilidade pública, além de pessoal, às agressões contra Guido Mantega. Em seu perfil no Facebook, ele sentiu-se livre para expressar sua indignação contra o que aconteceu na lanchonete do Einstein nos seguintes termos: “Contra o fascismo a porrada. Não podemos engolir esses fascistas burguesinhos de merda! (...) Vamos pagar com a mesma moeda: agrediu, devolvemos dando porrada!”.
"O outro, se não for um clone, só existe como inimigo"
O ódio, e também a ignorância, ao serem compartilhados no espaço público das redes, deixaram de ser algo a ser reprimido e trabalhado, no primeiro caso, e ocultado e superado, no segundo, para ser ostentado. E quando me refiro à ignorância, me refiro também a declarações de não saber e de não querer saber e de achar que não precisa saber. Me arrisco a dizer que havia mais chances quando as pessoas tinham pudor, em vez de orgulho, de declarar que acham museus uma chatice ou que não leram o texto que acabaram de desancar, porque pelo menos poderia haver uma possibilidade de se arriscar a uma obra de arte que as tocasse ou a descobrir num texto algo que provocasse nelas um pensamento novo.

Sempre se culpa o anonimato permitido pela rede pelas brutalidades ali cometidas. É verdade que o anonimato é uma realidade, que há os “fakes” (perfis falsos) e há toda uma manipulação para falsificar reações negativas a determinados textos e opiniões, seja por grupos organizados, seja como tarefa de equipes de gerenciamento de crise de clientes públicos e privados. Tanto quanto há campanhas de desqualificação fabricadas como “espontâneas”, nas quais mentiras ou boatos são disseminados como verdades comprovadas, causando enormes estragos em vidas e causas.

Mas suspeito que, no que se refere ao indivíduo, a notícia – boa ou má – é que o anonimato foi em grande medida um primeiro estágio superado. Uma espécie de ensaio para ver o que acontece, antes de se arriscar com o próprio RG. Não tenho pesquisa, só observação cotidiana. Testemunho dia a dia o quanto gente com nome e sobrenome reais é capaz de difundir ódio, ofensas, boatos, preconceitos, discriminação e incitação ao crime sem nenhum pudor ou cuidado com o efeito de suas palavras na destruição da reputação e da vida de pessoas também reais. A preocupação de magoar ou entristecer alguém, então, essa nem é levada em conta. Ao contrário, o cuidado que aparece é o de garantir que a pessoa atacada leia o que se escreveu sobre ela, o cuidado que se toma é o da certeza de ferir o outro. O outro, se não for um clone, só existe como inimigo.
"Na eleição de 2014, descobriu-se que os bárbaros eram até ontem os aliados na empreitada da civilização"
O problema, quando se aponta os “bárbaros”, e aqui me incluo, é justamente que os bárbaros são sempre os outros. Neste sentido, a eleição de 2014, da qual derivou a tese, para mim bastante questionável, do “Brasil partido”, bagunçou um bocado essa crença. Não foi à toa que amizades antigas se desfizeram, parentes brigaram e até amores foram abalados, que até hoje há gente que se gostava que não voltou a se falar. As redes sociais, a internet, viraram um campo de guerra, num nível maior do que em qualquer outra eleição ou momento histórico. Só que, desta vez, os bárbaros eram até ontem os aliados na empreitada da civilização.

Descobriu-se então que pessoas com quem se compartilhou sonhos ou pessoas que se considerava éticas – pessoas do “lado certo” – eram capazes de lançar argumentos desonestos – e que sabiam ser desonestos – e até mentiras descaradas, assim como de torturar números e manipular conceitos. Eram capazes de fazer tudo o que sempre condenaram, em nome do objetivo supostamente maior de ganhar a eleição. Os bárbaros não eram mais os outros, os de longe. Desta vez, eram os de perto, bem de perto, que queriam não apenas vencer, mas destruir o diferente ou o divergente, eu ou você. O bárbaro era um igual, o que torna tudo mais complicado.

Não se sai imune desse confronto com a realidade do outro, a parte mais fácil. Não se sai impune desse confronto com a realidade de si, este um enfrentamento só levado adiante pelos que têm coragem. Como sabemos, enquanto for possível e talvez mesmo quando não seja mais, cada um fará de tudo para não se enxergar como bárbaro, mesmo que para isso precise mentir para si mesmo. É duro reconhecer os próprios crimes, assim como as traições, mesmo as bem pequenas, e as vilanias. Mas, no fundo, cada um sabe o que fez e os limites que ultrapassou. O que aconteceu na eleição de 2014 é que os bons e os limpinhos descobriram algumas nuances a mais de sua condição humana, e descobriram o pior: também eles (nós?) não são capazes de respeitar a opinião e a escolha diferente da sua. Também eles (nós?) não quiseram debater, mas destruir. De repente, só havia “haters” (odiadores). De novo: desse confronto não se sai impune. A boçalidade do mal ganhou dimensões imprevistas.
"A experiência poderosa de se mostrar sem recalques transcendeu e influenciou a vida para além das redes"
Seria improvável que a experiência vivida na internet, na qual o que aconteceu nas eleições foi apenas o momento de maior desvendamento, não mudasse o comportamento quando se está cara a cara com o outro, quando se está em carne e osso e ódio diante do outro, nos espaços concretos do cotidiano. Seria no mínimo estranho que a experiência poderosa de se manifestar sem freios, de se mostrar “por inteiro”, de eliminar qualquer recalque individual ou trava social e de “dizer tudo” – e assim ser “autêntico”, “livre” e “verdadeiro” – não influenciasse a vida para além da rede. Seria impossível que, sob determinadas condições e circunstâncias, os comportamentos não se misturassem. Seria inevitável que essa “autorização” para “dizer tudo” não alterasse os que dela se apropriaram e se expandisse para outras realidades da vida. E a legitimidade ganhada lá não se transferisse para outros campos. Seria pouco lógico acreditar que a facilidade do “deletar” e do “bloquear” da internet, um dedo leve e só aparentemente indolor sobre uma tecla, não transcendesse de alguma forma. Não se trata, afinal, de dois mundos, mas do mesmo mundo – e do mesmo indivíduo.

A mulher que se sentiu “no direito” de xingar Guido Mantega e por extensão Eliane Berger, e tornar sua presença na lanchonete do hospital insuportável, assim como as pessoas que se sentiram “no direito” de aumentar o coro de xingamentos, possivelmente acreditem que estavam apenas exercendo a liberdade de expressão como “cidadãos de bem indignados com o PT”, uma frase corriqueira nos dias de hoje, quase uma bandeira. Ao mandar Guido e Eliane para outro lugar – e não para qualquer lugar, mas “pro SUS” – devem acreditar que o Sistema Único de Saúde é a versão contemporânea do inferno, para a qual só devem ir os proscritos do mundo. Possivelmente acreditem também que o espaço do Hospital Israelita Albert Einstein deve continuar reservado para uma gente “diferenciada”. Em nenhum momento parecem ter enxergado Guido e Eliane como pessoas, nem se lembrado de que quem está num hospital, seja por si mesmo, seja por alguém que ama, está numa situação de fragilidade semelhante a deles. O direito ao ódio e à eliminação do outro mostrou-se soberano: aquele que é diferente de mim, eu mato. Ou deleto. Simbolicamente, no geral; fisicamente, com frequência assustadora.

Mas, claro, nada disso é importante. Nem é importante a greve dos caminhoneiros ou a falta de água na casa dos mais pobres. Tampouco a destruição de estátuas milenares pelo Estado Islâmico. Essencial mesmo é o grande debate da semana que passou: descobrir se o vestido era branco e dourado – ou preto e azul. Até mesmo sobre tal irrelevância, a selvageria do bate-boca nas redes mostrou que não é possível ter opinião diferente.

Já demos um passo além da banalidade. Nosso tempo é o da boçalidade.


Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com 


Postado no El País em 02/03/2015


Nota

Sobre o texto acima o Jornalista Fernando Brito postou em seu blog Tijolaço em 03/03/2015 :



Recebo de uma amiga, via Facebook, um texto muito interessante – e preocupante - da escritora, repórter e documentarista Eliane Brum, que muitos devem conhecer por seus livros, participação em programas de rádio e colunas na revista Época.

É longo, bem escrito, lúcido e toca em uma das coisas que mais me aflige, hoje.

A brutalidade que vem marcando o nosso comportamento.

Estamos caminhando (ou sendo conduzidos) pelo caminho terrível da quebra dos sentimentos (e também das convenções, entendidas como sistema de regras de convívio) coletivos.

Um processo que se inicia lá atrás, há 30 anos, com o secessionismo de nações, de etnias, de grupos culturais, até o que andou se chamando por aqui de “tribalismo”.

Os partidos políticos, os sindicatos, as associações, tudo aquilo que nos unia foi sendo reduzido a “comunidades”.

Quase seitas, nós que gostamos tanto de menosprezar os islâmicos.

Qualquer semelhança com um filme do processo civilizatório humano passado ao contrário não é mera coincidência.

Passamos a amar as prisões, as condenações, os “bandidos bons, os bandidos mortos”, os negrinhos amarrados no poste.

Ah, sim, também desprezamos os nordestinos, os gays, os pretos, os pobres, os “bolsa-família” vagabundos e, ia esquecendo, o voto da população.

E tem do lado de cá, também, porque nos apressamos a apontar como “politicamente incorreto” e em rejeitar como “coxinha” quem embarca nesta maré que não são, absolutamente, eles que constroem, mas gente muito bem articulada.

Alguns diriam que estamos nos tornando “bárbaros”.

Não, não, estamos nos tornando “romanos”.

Ou absorvendo a expressão grega de que “quem não é um grego é um bárbaro”.

Os que não são iguais a nós, automaticamente, é que são os “bárbaros”. Como diz a Eliane, “o problema, quando se aponta os “bárbaros”, e aqui me incluo, é justamente que os bárbaros são sempre os outros”.

E os bárbaros devem ser eliminados.

Nestes tempos virtuais, “deletados”.

Por isso, achei tão legal o texto da gaúcha Eliane – os gaúchos, de tantas pelejas brutas, têm uma frase que afirma que “a luta não quita a fidalguia” – e dele reproduzo um pequeno trecho, recomendando a leitura integral.
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Nota

Não reproduzi o trecho citado por Fernando Brito, pois acima reproduzo o texto integral postado no El País.