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O Brasil não merece




O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, falou sobre a pandemia do novo coronavírus. E sobre o desgoverno Bolsonaro. Nesse fechamento de 2021. No Último Segundo do iG

Kakay fala que o Brasil não merece

“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício interior”, Clarice Lispector.

Quando estávamos imaginando ser possível viver o que se convencionou chamar de “novo normal” – algo que não se sabe bem o que é, mas que ensaia a nossa vida de volta -, eis que nos vemos à beira do velho anormal. Ou será que o “novo normal” é essa volta às angústias e aos sobressaltos?

O fato é que o número excessivo de novos casos de Covid no mundo inteiro nos faz voltar a sentir essa estranha sensação de que estamos, novamente, perto de um colapso. E constatamos, de forma triste e desanimadora, que o governo fascista aqui instalado continua a brincar com vida e a promover o culto à morte.

E o país que sofreu com o descaso sarcástico desse genocida, quando do auge da crise sanitária, tem que voltar a viver com a insensatez, com a ignorância e com a arrogância não só no trato com a nova cepa, mas também no enfrentamento da ciência ao expor a vida das crianças.

A fala do Presidente da República sobre a desnecessidade da vacina para criança e adolescentes, brincando com vida, é a representação do que ele significa. É bom que prestemos atenção nesse padrão de comportamento. Ele não desafia a ciência por desafiar, ele fala para um público que tem a cara dele. Nada é por acaso.

Ele elegeu-se Presidente fazendo apologia à tortura, dizia abertamente que o Coronel Ustra era o seu herói; afirmou que preferia ter um filho morto do que ter um filho gay; ridicularizou as mulheres, os quilombolas e os negros. Enfim, todo o show de horror que choca qualquer pessoa minimamente civilizada. E essa foi a postura dele durante a vida toda e foi o que se ressaltou nas eleições passadas.

Ou seja, não se fez uma campanha tentando mostrar um homem com pensamentos humanitários. Não, ressaltaram o monstro que ele era e é. Para os milhões de seguidores dele, ou boa parte, esse é o perfil que deve ser seguido e admirado. E é esse o recado que ele continua passando para tentar se reeleger. É bom ter isso em mente: observar que ele age dentro de uma estratégia muito própria, e não achar que as eleições já estão definidas.

Talvez, o ponto mais forte que ele deliberadamente mentiu, também como tática, foi fixar suas ações no combate à corrupção. Ao dizer que ele e sua família não eram corruptos, ele desdenhou da realidade e construiu uma ponte com o ex-juiz que corrompeu o sistema de justiça. Sem nenhum escrúpulo, sem sequer corar, ele bateu no peito e falou o que as pessoas queriam ouvir.

Criticar a corrupção como mote de campanha, mesmo tendo a corrupção entranhada até como herança familiar. No caso das rachadinhas, podem ter certeza de que eles nem acham que estavam usando indevida e criminosamente o dinheiro público. Nem ao menos fazem a diferença entre o público e o privado. Essa é a essência do grupo que governa o Brasil. E se orgulham disso. São espertos e chegaram ao poder, é o que importa para eles.

O que devemos refletir, até para as próximas eleições, é sobre esse Brasil que ainda é bolsonarista. E quando falo bolsonarista, incluo também o Moro. Eles são da mesma orientação e possuem a mesma origem no que diz respeito à falta de escrúpulos para atingir o poder. E principalmente para o que fazer com o poder.

Parece claro que uma parte considerável dos brasileiros cansou das barbáries, do descaso e da maneira chula e agressiva do Presidente. Que os mais de 600 mil mortos nessa crise, boa parte pela irresponsabilidade e ganância financeira, estão a rondar o nosso dia a dia e a pedir mudança e respeito. Mas é necessário estar atento. 

Bolsonaro e Moro representam a mesma proposta.

Um levou a Presidência, com a ajuda do outro, e vestiu o figurino do homem simples e que fala diretamente com o povo. Exagerou na idiotice como estratégia por dois motivos: por acreditar que o brasileiro é mesmo idiota e por ser realmente idiota. Não conseguiu depois tirar a máscara pois ela era a realidade.

O outro agora quer ocupar o lugar daquele que ele ajudou a eleger. É a mesma proposta, só muda o figurino. No imaginário popular, só troca a farda pela toga. Nesse ponto, repito, a “conja” estava certa ao dizer que o marido dela, Moro, e Bolsonaro eram a mesma pessoa. Eles se misturam e se merecem, mas o Brasil não merece isso.

Tudo me remete a Pessoa:

“Fiz de mim o que não soube, e o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara”.





Moro : Um peão no tabuleiro de xadrez da Guerra Híbrida





Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

O Brasil é um país desesperadamente complexo. Aquela piada antiga e preconceituosa, sobre Deus ter feito um país sem terremotos, maremotos e tufões, mas, em compensação, ter colocado um povo que iria dar o que falar, parece ser, em parte, tristemente verdadeira. Esse povo é a elite brasileira. Em alguns momentos, a gente até anseia por uma catástrofe natural para ocupar o espaço do fracasso de certa parte dessa aristocracia.

Em um período de profunda crise, com o país mergulhado num desastre causado pela administração caótica do Presidente da República, esse grupo, que optou pelo tsunami eleitoral ao eleger um fascista, está agora apoiando o criador de quem nos levou ao caos. Um ex-juiz que instrumentalizou o Judiciário, que foi “julgado” pelo Supremo Tribunal Federal como alguém que corrompeu o sistema de justiça e que mercadejou a toga ao aceitar ser ministro do governo eleito por suas peripécias apresenta-se agora como salvador da pátria e recebe o apoio de boa parte da elite, principalmente da mídia.

E é preocupante ver que o vazio de ideias tem uma enorme aceitação popular. O Moro e seus asseclas, por ele comandados na triste Operação Lava Jato, não tiveram nenhum pejo em subverter todo o sistema de justiça para atingir seus objetivos políticos.

Descaradamente, usaram o Poder Judiciário e parte do Ministério Público com o objetivo de assumir o poder. E, num primeiro momento, conseguiram, pois foram os grandes vencedores nas últimas eleições, sendo que o juiz ativista virou Ministro da Justiça do Bolsonaro. E ele usou a estrutura do ministério para fustigar os seus adversários políticos. Os dele e os do seu chefe de então. Só romperam na divisão do poder, briga de quadrilha.

As mentiras do canalha na ONU




Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Logo no início da pandemia, quando comecei a escrever sobre os desmandos deste Presidente desalmado e desumano na condução criminosa da crise sanitária, propus que ele fosse processado não somente pelos crimes contra a saúde pública, mas também por genocídio. Escrevi sobre isso em maio de 2020 e fiz várias lives defendendo a criminalização da conduta desse fascista. Fui muito criticado por vários amigos que tinham o cuidado sobre a exata tipificação da conduta desse criminoso. Uma preocupação técnica que eu respeito, mas que não me comove.

O ar que começava a faltar para milhares de brasileiros tragados pela nuvem tóxica que exalava desse governo me turvava os olhos. Agia por impulso, usando o que a advocacia e a vida me deram de mais precioso: a capacidade de poder falar e escrever. Quis fazer da minha voz a voz daqueles que começavam a sofrer os efeitos de uma política perversa e cruel. Já trazia a indignação para o debate que se avizinhava na certeza de que o irresponsável Presidente estava guiando o país para o abismo, para o precipício.

E, aos poucos, fui colocando mais pimenta para definir esse Presidente desprovido de empatia, de compaixão, de solidariedade e de emoção com a dor do outro. Dentre as várias palavras que eu usei para definir minha repulsa, talvez uma o defina melhor: canalha!

A terra tem que ser mesmo plana para justificar a profundidade dessa gente rasa e banal






Por Kakay

“A vida é luta renhida: viver é lutar. A vida é combate que os fracos abate, que os fortes, os bravos, só faz exaltar.”    - Gonçalves Dias -

Quando nos últimos dias resolvi falar sobre o resgaste das nossas cores e até dos nossos símbolos, eu me senti, num 1º momento, meio piegas. Como um norte-americano do interior do Texas. Mas, aos poucos, eu vi que esses gestos simples definem hoje, em parte, um ato de resistência. Ao sair de verde e amarelo na manifestação de 29 de maio, nada mais fiz do que dizer um basta, uma demonstração de cansaço e de indignação a esta mediocridade que nos domina.

É difícil manter a sanidade com 500 mil mortos nos fazendo companhia. Com as gravíssimas restrições ao dia a dia, com uma tristeza que se instalou nas pessoas e, ainda, com uma profunda ignorância ao nosso redor. Constato que quase tão grave quanto a morte física é o domínio absoluto das trevas e do obscurantismo.

Não é mais possível conviver com um país que não parece real. Estes bárbaros, repito, criaram um mundo imaginário e a partir dele comandam a narrativa do caos. Nós viramos o irreal, somos o ponto fora da curva. Pensar virou um gesto perigoso e revolucionário. Recorro-me a Miguel Torga, em “Auto-Retrato”:
“É por trás do espelho que me vejo.
Numa espécie de quadro em negativo.
Sinais fundos e certos de que vivo.
Mas sem a nitidez que todos me atribuem.”
Para que uma discussão se realize, é necessário que os envolvidos estejam à disposição para trocar ideias, para mudar de posicionamento e para refletir. Este bando que se apoderou do Brasil não funciona com racionalidade. No mundo imaginário e livre das amarras da consciência, a mentira é o motor que impulsiona as principais ações. Mas não são mentiras desconectadas, elas são estruturadas como uma estratégia de dominação.

O próprio presidente da República se sujeita a criar factoides para alimentar a sua rede insana de fake news sem nenhum resquício de constrangimento, e domina a arte de desviar as atenções dos problemas reais que interessam à nação.

Como enfrentar uma CPI no Senado Federal que, com alguns poderes inerentes ao Poder Judiciário, poderia chegar a desnudar e revelar os inúmeros crimes cometidos durante a crise sanitária? Com o uso desavergonhando, não só das mentiras, mas da afirmação e reafirmação deste mundo irreal, no qual habitam estes seres estranhos.

Como parte do país acredita na narrativa criada por eles, os depoimentos, muitas vezes, não têm nenhum compromisso com a verdade. E a força da fantasia se impõe. Lembro-me do velho Leão de Formosa:
"Foi um professor de silêncio
que um dia me disse:
a palavra é uma tolice.
Fica mudo e ficarás imenso.”
O presidente da República tem o desplante e a ousadia de citar um documento que sabe não existir, sabe ser falso, no intuito de alimentar a sua rede de robôs e de fanáticos. E faz isso em plena 3ª onda do vírus e de um número crescente de mortes. Para criar uma enorme nuvem de fumaça e desviar as atenções, ele simplesmente afirma que há uma informação do TCU de que metade das mortes contabilizadas como sendo pela covid, na verdade, foram forjadas. Não é uma mentira qualquer. É uma falsidade que envolve o Tribunal de Contas da União.

E os objetivos foram alcançados: o gado infame repercute como verdade, a imprensa dá grande destaque e as mortes reais parecem estar em segundo plano. O TCU desmente, mas a presidente da principal comissão da Câmara dos Deputados avisa no Twitter que a crise acabou, pois as mortes são falsas. É a mentira virando verdade no mundo virtual. Enfim, o mundo imaginário é alçado a algo real e palpável. Nós somos a irrealidade, os fantasmas. As nossas preocupações são a prova de que o universo verdadeiro é tão cruel que não existe. O que existe é a fantasia desses senhores da mentira, que dominaram e manipularam a história. A terra tem que ser mesmo plana para justificar a profundidade dessa gente rasa e banal.

E o show de horror é cuidadosamente dirigido como um espetáculo, no qual um ato se destaca a cada momento. Como um teatro mambembe, só que com atores profissionais. O texto é que é pobre. Tiram da cartola uma Copa América no meio da pandemia. Às favas as preocupações com a aglomeração e com o crescimento da contaminação. Para quem já mandou às favas os escrúpulos da consciência ao implantar a ditadura, torna-se insignificante bancar o circo que alimenta o mundo criado para a fantasia. E todos nós somos alimentados nesse embate. Até o Supremo Tribunal é chamado a se manifestar sobre a possibilidade de ter ou não os jogos da Copa. Nós perdemos o foco. Eles dirigem o espetáculo e nós somos meros espectadores.

E, nesse teatro de marionetes, os fios vão comandando o show, cuidadosamente manipulado. As Forças Armadas são subjugadas e os poderes constituídos olham apenas de soslaio. Os militares ocupam a cena política sem maiores constrangimentos. Enquanto nós ficamos a discutir se é correto ou não ocupar as ruas para demonstrar nossa revolta e perplexidade. A nossa consciência parece ser parte da estratégia do jogo jogado por aqueles que sabem tratá-la como um entrave. Difícil enfrentar a barbárie só com argumentos, mas é o que nos resta.

É necessário aprofundar nossas frentes de resistência. O debate tem que ser sobre a necessidade imperiosa do impeachment, os crimes de responsabilidade se acumulam e até ficam vulgares. Importante também enfrentar a hipótese de uma ação criminal subsidiária, na inércia do PGR, para responsabilizar o presidente e seu grupo. Se ficarmos apostando no desgaste do governo, à espera das eleições, estaremos exatamente participando do jogo que só interessa a eles. Fazendo o jogo da banca. Talvez seja essa a única hipótese de sermos parte do mundo ilusório criado por esse grupo. Eles dão as cartas, e a nós resta o papel de figurantes. Eles continuam blefando e nós não teremos mais como enfrentá-los, pois eles dirigem o espetáculo.

Resta-nos Pessoa:

“É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”


Postado em DCM em 11/06/2021


 
Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido pela alcunha de Kakay, é advogado criminalista brasileiro.



A terra tem que ser mesmo plana para justificar a profundidade dessa gente rasa e banal






Por Kakay

“A vida é luta renhida: viver é lutar. A vida é combate que os fracos abate, que os fortes, os bravos, só faz exaltar.”    - Gonçalves Dias -

Quando nos últimos dias resolvi falar sobre o resgaste das nossas cores e até dos nossos símbolos, eu me senti, num 1º momento, meio piegas. Como um norte-americano do interior do Texas. Mas, aos poucos, eu vi que esses gestos simples definem hoje, em parte, um ato de resistência. Ao sair de verde e amarelo na manifestação de 29 de maio, nada mais fiz do que dizer um basta, uma demonstração de cansaço e de indignação a esta mediocridade que nos domina.

É difícil manter a sanidade com 500 mil mortos nos fazendo companhia. Com as gravíssimas restrições ao dia a dia, com uma tristeza que se instalou nas pessoas e, ainda, com uma profunda ignorância ao nosso redor. Constato que quase tão grave quanto a morte física é o domínio absoluto das trevas e do obscurantismo.

Não é mais possível conviver com um país que não parece real. Estes bárbaros, repito, criaram um mundo imaginário e a partir dele comandam a narrativa do caos. Nós viramos o irreal, somos o ponto fora da curva. Pensar virou um gesto perigoso e revolucionário. Recorro-me a Miguel Torga, em “Auto-Retrato”:
“É por trás do espelho que me vejo.
Numa espécie de quadro em negativo.
Sinais fundos e certos de que vivo.
Mas sem a nitidez que todos me atribuem.”
Para que uma discussão se realize, é necessário que os envolvidos estejam à disposição para trocar ideias, para mudar de posicionamento e para refletir. Este bando que se apoderou do Brasil não funciona com racionalidade. No mundo imaginário e livre das amarras da consciência, a mentira é o motor que impulsiona as principais ações. Mas não são mentiras desconectadas, elas são estruturadas como uma estratégia de dominação.