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Baixem o tom, fardados !




Cristina Serra

Generais, brigadeiros e almirantes deveriam ser os primeiros a querer esclarecer as gravíssimas denúncias de corrupção, reveladas pela CPI da Covid, que batem à porta de Bolsonaro e de uma penca de fardados. Mas o que estamos vendo é bem o contrário.

Como em outros momentos da nossa história, a cúpula das Forças Armadas e o Ministério da Defesa preferem esconder a sujeira embaixo do tapete, peitar as instituições democráticas e afrontar a Constituição e a sociedade civil. É esse o sentido da nota assinada pelo ministro Braga Netto e pelos três comandantes militares após a declaração do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), de que há um "lado podre das Forças Armadas envolvido com falcatrua dentro do governo".

Alguém duvida disso? A pior gestão da pandemia no mundo foi a de um militar brasileiro, o general da ativa Eduardo Pazuello. Agora, sabemos também que a alta hierarquia do ministério na gestão dele, toda fardada, aparece no "vacinagate", notadamente seu ex-secretário-executivo, o coronel da reserva Elcio Franco.

Depois de tantos anos restritos aos quartéis e às suas atribuições profissionais, os militares voltaram ao poder de braços dados com um sujeito desqualificado, medíocre, notoriamente ligado a esquemas criminosos, que vão de rachadinhas a milicianos, e que é sustentado no Congresso pelo centrão.

Cúmplices e agentes ativos de tudo isso, os militares vêm cantar de galo, atribuindo-se o status de "fator essencial de estabilidade do país". Ora, é exatamente o contrário. Senhores fardados, vocês deixarão uma herança de morte, doença, fome e corrupção. Querem enganar quem? Acham que estão em 1964?

Baixem o tom, senhores. O Brasil não tem medo de suas carrancas, de seus coturnos e de seus tanques. Generais, vistam o pijama e, quando a pandemia passar, organizem um campeonato de gamão na orla de Copacabana. É o melhor que podem fazer pelo país.




Cristina Serra é paraense, jornalista e escritora. É autora dos livros “Tragédia em Mariana - a história do maior desastre ambiental do Brasil” e “A Mata Atlântica e o Mico-Leão-Dourado - uma história de conservação

Artigo publicado originalmente em





Precisamos de nossos militares como heróis, não como vilões




Fernando Brito

A República foi proclamada por um militar, Deodoro da Fonseca.

O tenentismo, embora cheio de contradições, que o fez espalhar-se à direita e à esquerda, foi uma das maiores forças de modernização da vida brasileira.

Um general – depois Marechal – deu a este país as maiores lições de pacifismo e humanidade: Cândido Mariano Rondon, abolicionista, republicano e ele próprio mestiço.

Um general, Henrique Teixeira Lott, foi por duas vezes – na posse de Juscelino Kubitschek e na tentativa de golpe de 1961 – elemento central na defesa da ordem democrática.

A carreira militar, por muitas e muitas décadas foi a mais democrática de todas e, frequentes vezes, a única forma de ascensão de pessoas mestiças, negras e de origem modesta na vida social.

Os militares sempre foram amados e respeitados pelo povo brasileiro.

Aliás, algumas vezes literalmente: muitas das colegas e amigas de minha mãe, no trem das professoras, se apaixonaram por militares com quem dividiam os vagões.

Os anos do regime militar foram mudando isso.

Passamos a temê-los.

Hoje, 50 anos depois do início daquela noite, os militares brasileiros deram seu maior passo para se desvencilharem daquela sombra.

Eu não temo “patrulhas” ao dizer que o Brasil precisa – e muito – de suas Forças Armadas.

Não porque tenhamos ou possamos ter ilusões de que elas pudessem ser capazes de enfrentar uma guerra, nos níveis absurdamente covardes e desiguais que têm hoje as guerras.

Mas porque elas podem representar um elemento de dissuasão eficaz contra apetites sobre nosso território e nossas riquezas.

Porque elas podem e devem ser um elemento impulsionador do nosso avanço tecnológico.

Porque elas podem e devem ser uma força de reserva do país para enfrentar calamidades de todo tipo.

Porque elas podem representar e representam, muitas vezes, o socorro material, médico, humano e milhares de nossos irmãos que estão onde só elas se aventuram a ir.

Mas elas não podem ser, plenamente, tudo isso, se carregarem consigo o tabu daqueles 25 anos.

Um monstro como este Paulo Malhães, que relata, sem um pingo de dor, ter torturado, mutilado, assassinado e profanado cadáveres não representa os militares brasileiros. E muito menos os representa hoje.

O Ministro Celso Amorim e os chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica merecem o aplauso de todos, neste momento, por terem tomado a iniciativa das sindicâncias sobre o uso de instalações militares como câmaras de torturas.

Como elas serão feitas e até que ponto irão é outra questão, que a dinâmica dos fatos, a seu tempo, irá revelar.

As instituições, como as pessoas, só avançam para o futuro quando assumem seu passado, não quando os encobrem, enrustem, negam e falseiam.

Ninguém pense que os que buscamos a verdade e a revelação dos crimes nos animamos com vinganças pessoais, ainda mais contra gente que hoje anda pelos 80 anos.

Mas queremos que nossas instituições judiciais e militares digam; não, isso não pode ser tolerado nem mesmo no passado e não será.

Para que saibamos que não será tolerado no futuro.

Para que possamos, afinal, dizer: nunca mais.

Postado no blog Tijolaço em 02/04/2014