Principal fato econômico desde a crise econômica de 2009, criação do Novo Banco de Desenvolvimento e Acordo de Reservas de Contingência fura esquema financeiro global traçado em 1944, em Bretton Woods; prevalência de americanos e europeus no Banco Mundial e no FMI é enfrentada com cartada que muda o jogo; Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul anunciaram US$ 150 bilhões para banco e poupança em comum; dólar e euro sob pressão de serem substituídos em transações comerciais entre os cinco países; moedas nacionais passariam a ser utilizadas; mídia tradicional faz cobertura protocolar; colunista Eliane Cantanhêde, na Globo News, insere fato como "mais badalação e fotografias para a presidente Dilma Rousseff"; no Financial Times, da Inglaterra, análise é outra: "BRICS dão notável demonstração de como a ordem econômica está mudando".
Bretton Woods, 1944. Fortaleza, 2014. Setenta anos depois de terem sido traçadas as regras da governança financeira do mundo, um fato capaz de inserir outra cidade no mapa das grandes mudanças econômicas globais aconteceu.
Na capital do Ceará, nesta terça-feira 15, os cinco países que integram a sigla BRICS inauguraram, na prática, uma nova ordem para o mundo.
Eles colocaram em prática a constituição de um bloco econômico repleto de afinidades políticas. A partir de agora, já se sabe que Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul terão o seu Novo Banco de Desenvolvimento, com capital inicial de US$ 50 bilhões, mas que poderá ser elevado a US$ 100 bilhões, para fazer frente ao Banco Mundial.
E também formarão uma poupança de US$ 100 bilhões no Acordo de Reservas de Contingência, exatamente para não dependerem exclusivamente do Fundo Monetário Internacional para serem socorridos em crises.
O jornal inglês Financial Times publicou análise da redação que dá a correta dimensão do conjunto desses fatos: "Notável demonstração de como a ordem econômica está mudando".
Na mídia tradicional brasileira, no entanto, o assunto foi publicado, como se diz no jargão do jornalismo, com "má vontade".
A reunião de Fortaleza que impressionou o FT e chama a atenção de todos os líderes mundiais não mereceu, na terça-feira 15, ocupar o espaço da manchete de nenhum dos jornais Folha de S. Paulo, Estado e Globo. Na tevê, a colunista Eliane Cantanhêde, na Globo News, registrou o acontecimento dentro do contexto da sucessão presidencial:
- A Copa acabou, mas a presidente Dilma Rousseff engatou uma segunda e já está de novo nas fotografias, registrou a comentarista. Ao final do comentário, lembrou que nesta quarta-feira, em Brasília, cerca de 20 presidentes do continente americano serão recebidos para ter informações sobre como irá funcionar o banco de desenvolvimento e o fundo de reservas. E pontuou:
- Será mais um momento de badalação e fotografias para a presidente que é candidato à reeleição.
Ideia estudada pela nata dos economistas dos governos dos BRICS há pelo menos dois anos, o Novo Banco de Desenvolvimento poderá emprestar dinheiro para projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento a juros menores que os praticados pelo Banco Mundial.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicou que os recursos dos BRICS poderão ser aplicados em fundos especiais para renderem enquanto aguardam as demandas dos países.
Houve apostas nos jornais brasileiros de que uma briga de última hora entre as delegações da China e da Índia poderia matar a ideia de criação do banco de fomento. Não foi o que ocorreu.
Os sócios acordaram rapidamente em que a sede será em Xangai, na China; o primeiro presidente será da Índia, inaugurando o rodízio de cinco anos no cargo; a presidência do conselho de administração será do Brasil; a Rússia ficará com a presidência do conselho de governadores; e a primeira sede regional da instituição ficará na África do Sul.
- A democracia é uma das marcas do BRICS, disse Mantega.
Com um mercado consumidor de 3 bilhões de pessoas e um PIB conjunto que equivale a 20% da riqueza mundial, o BRICS poderá adotar, no futuro, as moedas nacionais para transações comerciais entre seus cinco sócios. Na véspera da cúpula, 700 empresários assinaram carta em que pedem aos líderes políticos a adoção dessa medida, que substituiria o dólar e o euro em compras e vendas.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, estimou no encontro de Fortaleza que a demanda de recursos para projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento chega, hoje, a US$ 800 bilhões.
Há, assim, demanda suficiente para o banco do BRICS ter um grande papel na nova ordem mundial que o grupo está criando a olhos vistos – ainda que a mídia brasileira tenha má vontade em enxergar.