A recente denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) lança luz sobre um conjunto de ações organizadas que tinham como objetivo a desestabilização institucional e a ruptura da ordem democrática no Brasil. O documento revela a existência de uma organização criminosa liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e outros altos oficiais civis e militares, que, entre 2021 e 2023, articulou uma ofensiva contra os Poderes da República. Essa ofensiva incluiu a propagação sistemática de desinformação, a tentativa de cooptar as Forças Armadas para um golpe e a mobilização de seus apoiadores para atos de violência política, culminando nos ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes, em Brasília. A denúncia é um elemento crucial para entender como as estratégias da guerra híbrida foram aplicadas no Brasil nos últimos anos. A guerra híbrida, conceito amplamente discutido em estudos de segurança e geopolítica, refere-se ao uso combinado de operações psicológicas (psyops), lawfare, manipulação informacional, sabotagem institucional e insurreição política para enfraquecer governos e criar instabilidade. Esse modelo de guerra, frequentemente associado às disputas geopolíticas do século XXI, tem sido utilizado em diversos países como Venezuela, Ucrânia e Síria. No Brasil, o documento da PGR demonstra que a guerra híbrida não apenas foi um fator central na crise política recente, mas também se consolidou como uma ferramenta de ataque contra a soberania democrática.
Um dos elementos centrais da denúncia é a estratégia deliberada de erosão da confiança pública no sistema eleitoral e no funcionamento das instituições. Segundo o documento, a organização criminosa coordenada por Bolsonaro adotou um plano para desacreditar o processo eleitoral desde 2021, utilizando táticas de guerra psicológica e propaganda para minar a credibilidade das urnas eletrônicas. A denúncia apresenta evidências de que esse plano incluía a repetição sistemática de alegações infundadas sobre fraudes eleitorais, com o objetivo de preparar a base política do ex-presidente para rejeitar um possível resultado adverso nas eleições de 2022. Esse aspecto está exposto no documento quando aponta que, em 29 de julho de 2021, Bolsonaro transmitiu ao vivo ataques ao sistema eleitoral a partir do Palácio do Planalto, reafirmando falsas alegações sobre supostas fraudes nas urnas. Além da guerra psicológica, a denúncia revela como a organização criminosa atuou em outras dimensões da guerra híbrida, utilizando lawfare, redes sociais e a articulação com forças militares para promover seu projeto golpista. O documento aponta que planos detalhados foram traçados para garantir a permanência de Bolsonaro no poder mesmo sem vitória eleitoral, incluindo a prisão de ministros do STF e o uso das Forças Armadas para subverter o resultado das eleições.
Neste artigo, analisaremos como a denúncia da PGR confirma o uso das táticas clássicas da guerra híbrida no Brasil, abordando a desinformação e as operações psicológicas voltadas para desacreditar as eleições, o uso do lawfare para tentar capturar ou neutralizar o Judiciário e impedir a alternância democrática, a tentativa de instrumentalização das Forças Armadas como ferramenta golpista, a utilização de Big Techs e redes socias para manipular a percepção pública, e a escalada final da crise e o ataque de 8 de janeiro como expressão violenta dessa guerra híbrida. Ao longo do texto, examinaremos como os fatos descritos na denúncia corroboram o entendimento de que o Brasil tem sido um dos principais laboratórios da guerra híbrida no mundo, inserido em uma disputa global pela hegemonia da informação e da política.
A guerra híbrida é um dos fenômenos mais marcantes do século XXI, moldando a política global de maneira invisível para a maioria da população. Longe das guerras tradicionais, em que exércitos se enfrentam em campos de batalha, a guerra híbrida opera no plano da informação, da psicologia e da manipulação institucional. Ela combina desinformação em larga escala, lawfare, sabotagem econômica e política, além de táticas para corroer a confiança nas instituições democráticas. O objetivo não é apenas derrotar um adversário político, mas desestabilizar sociedades inteiras, criando um ambiente de caos permanente no qual a verdade se torna irrelevante e a manipulação ideológica se impõe como norma. Esse modelo de guerra não é novo, mas se tornou mais sofisticado com o avanço das tecnologias da informação e o domínio das redes sociais. Países como Estados Unidos aperfeiçoaram essa estratégia para influenciar eleições, enfraquecer governos e manipular a opinião pública em cenários de disputa geopolítica. A Primavera Árabe, a guerra na Ucrânia e a crise política na Venezuela são exemplos claros da aplicação de táticas híbridas, onde a guerra não se dá apenas com armas, mas com narrativas, desinformação, ataques cibernéticos e operações psicológicas de longo prazo.