A recente denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) lança luz sobre um conjunto de ações organizadas que tinham como objetivo a desestabilização institucional e a ruptura da ordem democrática no Brasil. O documento revela a existência de uma organização criminosa liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e outros altos oficiais civis e militares, que, entre 2021 e 2023, articulou uma ofensiva contra os Poderes da República. Essa ofensiva incluiu a propagação sistemática de desinformação, a tentativa de cooptar as Forças Armadas para um golpe e a mobilização de seus apoiadores para atos de violência política, culminando nos ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes, em Brasília. A denúncia é um elemento crucial para entender como as estratégias da guerra híbrida foram aplicadas no Brasil nos últimos anos. A guerra híbrida, conceito amplamente discutido em estudos de segurança e geopolítica, refere-se ao uso combinado de operações psicológicas (psyops), lawfare, manipulação informacional, sabotagem institucional e insurreição política para enfraquecer governos e criar instabilidade. Esse modelo de guerra, frequentemente associado às disputas geopolíticas do século XXI, tem sido utilizado em diversos países como Venezuela, Ucrânia e Síria. No Brasil, o documento da PGR demonstra que a guerra híbrida não apenas foi um fator central na crise política recente, mas também se consolidou como uma ferramenta de ataque contra a soberania democrática.
Um dos elementos centrais da denúncia é a estratégia deliberada de erosão da confiança pública no sistema eleitoral e no funcionamento das instituições. Segundo o documento, a organização criminosa coordenada por Bolsonaro adotou um plano para desacreditar o processo eleitoral desde 2021, utilizando táticas de guerra psicológica e propaganda para minar a credibilidade das urnas eletrônicas. A denúncia apresenta evidências de que esse plano incluía a repetição sistemática de alegações infundadas sobre fraudes eleitorais, com o objetivo de preparar a base política do ex-presidente para rejeitar um possível resultado adverso nas eleições de 2022. Esse aspecto está exposto no documento quando aponta que, em 29 de julho de 2021, Bolsonaro transmitiu ao vivo ataques ao sistema eleitoral a partir do Palácio do Planalto, reafirmando falsas alegações sobre supostas fraudes nas urnas. Além da guerra psicológica, a denúncia revela como a organização criminosa atuou em outras dimensões da guerra híbrida, utilizando lawfare, redes sociais e a articulação com forças militares para promover seu projeto golpista. O documento aponta que planos detalhados foram traçados para garantir a permanência de Bolsonaro no poder mesmo sem vitória eleitoral, incluindo a prisão de ministros do STF e o uso das Forças Armadas para subverter o resultado das eleições.
Neste artigo, analisaremos como a denúncia da PGR confirma o uso das táticas clássicas da guerra híbrida no Brasil, abordando a desinformação e as operações psicológicas voltadas para desacreditar as eleições, o uso do lawfare para tentar capturar ou neutralizar o Judiciário e impedir a alternância democrática, a tentativa de instrumentalização das Forças Armadas como ferramenta golpista, a utilização de Big Techs e redes socias para manipular a percepção pública, e a escalada final da crise e o ataque de 8 de janeiro como expressão violenta dessa guerra híbrida. Ao longo do texto, examinaremos como os fatos descritos na denúncia corroboram o entendimento de que o Brasil tem sido um dos principais laboratórios da guerra híbrida no mundo, inserido em uma disputa global pela hegemonia da informação e da política.
A guerra híbrida é um dos fenômenos mais marcantes do século XXI, moldando a política global de maneira invisível para a maioria da população. Longe das guerras tradicionais, em que exércitos se enfrentam em campos de batalha, a guerra híbrida opera no plano da informação, da psicologia e da manipulação institucional. Ela combina desinformação em larga escala, lawfare, sabotagem econômica e política, além de táticas para corroer a confiança nas instituições democráticas. O objetivo não é apenas derrotar um adversário político, mas desestabilizar sociedades inteiras, criando um ambiente de caos permanente no qual a verdade se torna irrelevante e a manipulação ideológica se impõe como norma. Esse modelo de guerra não é novo, mas se tornou mais sofisticado com o avanço das tecnologias da informação e o domínio das redes sociais. Países como Estados Unidos aperfeiçoaram essa estratégia para influenciar eleições, enfraquecer governos e manipular a opinião pública em cenários de disputa geopolítica. A Primavera Árabe, a guerra na Ucrânia e a crise política na Venezuela são exemplos claros da aplicação de táticas híbridas, onde a guerra não se dá apenas com armas, mas com narrativas, desinformação, ataques cibernéticos e operações psicológicas de longo prazo.
No Brasil, essa guerra ganhou intensidade a partir de 2013, mas teve sua aceleração máxima a partir das eleições de 2018, com a chegada da extrema-direita ao poder. A máquina de desinformação bolsonarista, operando dentro e fora das plataformas digitais, seguiu à risca o manual da guerra híbrida: descredibilização das instituições democráticas, uso de fake news para criar pânico moral e amplificação de teorias da conspiração para manipular o eleitorado. O ataque ao sistema eleitoral foi apenas uma das frentes desse processo, que incluiu ainda a tentativa de cooptar setores das Forças Armadas, a disseminação de discursos de ódio e a tática do lawfare contra adversários políticos. A denúncia apresentada pela PGR comprova que esses ataques não foram espontâneos nem isolados, mas sim parte de um plano meticulosamente articulado para manter Bolsonaro no poder a qualquer custo. O documento deixa claro que a estratégia golpista se baseou em três eixos principais: a criação de uma realidade paralela onde a eleição teria sido fraudada, a tentativa de desmoralizar e intimidar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, e a busca por apoio militar para uma ruptura institucional. Esses elementos são a essência da guerra híbrida, onde a percepção pública é manipulada para justificar medidas extremas em nome de uma suposta defesa da democracia.
O caso brasileiro tem uma peculiaridade que o torna ainda mais grave: a participação ativa de empresas de tecnologia e redes sociais como amplificadores do caos. Ao permitirem a livre circulação de desinformação e discursos golpistas, plataformas como WhatsApp, Telegram e X (ex-Twitter) funcionaram como verdadeiros campos de batalha, onde a guerra híbrida foi travada em tempo real. A denúncia da PGR aponta que esses espaços foram usados para coordenar ações contra a democracia, incluindo a organização dos atos de 8 de janeiro, demonstrando como a guerra informacional se entrelaça com o ataque físico às instituições. A guerra híbrida no Brasil não terminou com a tentativa de golpe. Pelo contrário, ela continua em curso, se reinventando e buscando novas formas de corroer a democracia. O bolsonarismo, mesmo derrotado eleitoralmente, segue operando dentro da lógica da guerra híbrida, espalhando mentiras, desmoralizando adversários e tentando criar um clima de instabilidade permanente. O desafio agora é entender que essa guerra não se vence apenas com medidas judiciais contra os responsáveis diretos pelo golpe, mas sim com uma resposta estrutural que enfrente os mecanismos de desinformação, regule o poder das Big Techs e fortaleça a soberania informacional do país.
A denúncia da PGR não é apenas um relato jurídico sobre um plano golpista; é, na prática, um documento que confirma a aplicação meticulosa das estratégias da guerra híbrida no Brasil. O que o texto revela não é um grupo desorganizado de radicais inconformados com a derrota eleitoral, mas uma operação articulada, com ramificações em diversas esferas da sociedade, visando desacreditar as instituições e pavimentar o caminho para uma ruptura democrática. O primeiro ponto essencial da denúncia é o reconhecimento de que o ataque ao sistema eleitoral foi premeditado e coordenado. A PGR destaca que Bolsonaro e seu círculo próximo, entre eles militares e políticos de alto escalão, atuaram de forma sistemática para construir uma percepção de fraude eleitoral, mesmo sem qualquer evidência concreta. Esse é um dos pilares da guerra híbrida: a construção de uma narrativa que justifique ações ilegais como se fossem respostas legítimas a um suposto problema. A transmissão ao vivo feita por Bolsonaro em 29 de julho de 2021, diretamente do Palácio do Planalto, na qual acusava as urnas eletrônicas de serem manipuláveis sem qualquer prova, não foi um improviso, mas sim uma etapa dentro de uma estratégia maior. O objetivo era preparar psicologicamente sua base de apoio para rejeitar um resultado adverso nas eleições de 2022 e, ao mesmo tempo, minar a confiança no TSE e no STF.
Outro ponto essencial da denúncia é a tentativa de captura das instituições por meio do lawfare e da cooptação militar. A PGR expõe que houve um plano detalhado para prender ministros do STF e do TSE, desmontar o Judiciário e governar sob um estado de exceção, o que evidencia que a estratégia bolsonarista não se limitava a contestar o resultado das urnas, mas sim eliminar os obstáculos institucionais que poderiam barrar a permanência de Bolsonaro no poder. Essa tática remete a outras operações de guerra híbrida ao redor do mundo, em que o uso do sistema legal para fins políticos – o chamado lawfare – serve para atacar opositores e consolidar uma narrativa de perseguição contra os golpistas. A tentativa de envolvimento das Forças Armadas também é detalhada no documento, revelando um esforço deliberado para arrastar o Exército e a Aeronáutica para dentro da crise política. A denúncia menciona reuniões com altos oficiais, nas quais foram apresentados planos para justificar a não aceitação do resultado eleitoral. Em um desses encontros, chegou-se a discutir a implementação de um estado de sítio, algo que só poderia ser viabilizado se houvesse um pretexto real para a convulsão social. E é aí que entra o último e mais grave ponto da estratégia golpista: a insurreição popular coordenada através da desinformação.
A PGR descreve como redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas digitais foram usadas como ferramenta de mobilização e radicalização, transformando a internet em um verdadeiro campo de batalha. A guerra híbrida no Brasil não precisou de exércitos em tanques; bastou um exército digital bem articulado, disparando fake news, espalhando o medo e desmoralizando as instituições democráticas. O uso de Telegram, WhatsApp e Twitter para disseminar o discurso de fraude eleitoral e incitar seguidores a “tomarem as ruas” foi peça central para criar um ambiente propício para os atos de 8 de janeiro de 2023. Quando milhares de bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, eles não estavam apenas protestando: estavam executando a fase tática de uma guerra híbrida, onde a percepção da realidade havia sido completamente distorcida para justificar um ataque direto à democracia. O que a denúncia deixa claro é que nada do que aconteceu foi espontâneo. Os eventos que culminaram no 8 de janeiro foram o resultado de uma estratégia planejada, testada e aprimorada ao longo dos anos, seguindo o manual das operações de guerra híbrida aplicadas em outras partes do mundo. A aposta dos articuladores do golpe era a de que, uma vez instalada a desordem e lançada a dúvida sobre a legitimidade das eleições, o caos tomaria conta do país, abrindo espaço para uma intervenção militar. Essa mesma lógica foi utilizada no golpe de 2019 na Bolívia, quando Evo Morales foi forçado a renunciar após uma campanha maciça de desinformação sobre supostas fraudes eleitorais, aliada à adesão de setores militares a um levante golpista.
A guerra híbrida opera no tempo da desinformação e da psicologia de massas. Não se trata apenas de ataques diretos ao Estado, mas de destruir a confiança da população nas instituições, promovendo a descrença generalizada e tornando o próprio conceito de verdade algo relativo e manipulável. A denúncia da PGR demonstra que esse método foi aplicado de forma cirúrgica no Brasil, com o objetivo final de impedir a posse de um presidente democraticamente eleito. A grande questão que se coloca agora é: mesmo com a revelação desse plano detalhado, estamos prontos para barrar novas investidas da guerra híbrida no país? Porque se há algo que a história recente nos ensina é que esse tipo de estratégia não desaparece, apenas se adapta a novas circunstâncias.
Se há um elemento essencial na guerra híbrida, ele se chama guerra psicológica (psyops). A construção de realidades alternativas, a manipulação do medo e a criação de narrativas conspiratórias fazem parte de uma estratégia que busca destruir a coesão social e desmoralizar o inimigo antes mesmo que qualquer ação concreta aconteça. No caso brasileiro, a denúncia da PGR deixa claro que o campo de batalha principal da tentativa de golpe não foi o Congresso ou os quartéis, mas sim a mente da população, especialmente a dos eleitores bolsonaristas, que foram sistematicamente bombardeados com desinformação até acreditarem que um golpe de Estado era não apenas necessário, mas legítimo. A denúncia aponta que, desde 2021, a organização criminosa comandada por Bolsonaro e seus aliados traçou um plano detalhado para minar a confiança no sistema eleitoral. Esse plano envolveu a repetição incessante de alegações de fraude, o uso de influenciadores digitais para espalhar essas narrativas e a produção de conteúdos massivos no WhatsApp e Telegram para alimentar o pânico moral e a sensação de que o Brasil estava sendo "roubado". Esse é um método clássico de psyops, onde a percepção da realidade é moldada de forma artificial para provocar uma reação emocional forte, que impede qualquer raciocínio crítico por parte do público-alvo. A estratégia funcionava em camadas. No nível mais alto, Bolsonaro e seus aliados usavam a estrutura do governo para dar verniz de credibilidade à mentira, com discursos e lives oficiais sugerindo que o TSE e o STF estavam atuando contra a democracia. A denúncia detalha como Bolsonaro utilizou o Palácio do Planalto e seus canais de comunicação institucionais para propagar essas narrativas, um uso do Estado para amplificar uma operação psicológica contra a própria população. Paralelamente, figuras secundárias do bolsonarismo, incluindo militares da reserva, deputados e influenciadores, disseminavam versões cada vez mais extremas da teoria da fraude, radicalizando a base e tornando o ambiente propício para a insurreição.
Esse tipo de guerra psicológica tem um efeito devastador porque cria o que especialistas chamam de "realidade paralela informacional". A partir do momento em que milhões de pessoas acreditam que o Brasil vive sob uma ditadura judicial, que as eleições foram fraudadas e que o país está à beira do comunismo, qualquer ação extrema passa a ser justificada. O que a denúncia deixa claro é que a insurreição de 8 de janeiro não foi um evento espontâneo, mas sim o resultado direto de anos de condicionamento psicológico e midiático, projetado para transformar cidadãos comuns em agentes de uma guerra política. Além da desinformação eleitoral, a psyops bolsonarista utilizou outras frentes para alimentar o caos, incluindo o uso de figuras militares como fontes "técnicas" para desacreditar o TSE. A denúncia menciona que altos oficiais foram instigados a participar da campanha de descrédito, um movimento semelhante ao que ocorreu em golpes recentes, como na Bolívia e em tentativas de insurreição nos Estados Unidos. Quando um oficial das Forças Armadas questiona publicamente a lisura de uma eleição sem apresentar provas, ele não está apenas expressando uma opinião, mas cumprindo um papel dentro de uma operação psicológica, onde sua posição hierárquica dá peso à mentira e reforça o efeito da desinformação na opinião pública.
Outro aspecto central das psyops foi o uso da linguagem e de símbolos para reforçar a narrativa golpista. Expressões como "ditadura do STF", "democracia sequestrada", "nossa liberdade em risco" e "intervenção constitucional" foram amplificadas diariamente para criar a percepção de que Bolsonaro e seus apoiadores eram vítimas de um sistema autoritário. Essa construção linguística é fundamental porque altera a percepção do público sobre a realidade: em vez de um governo democraticamente eleito e instituições funcionando dentro das normas, a psyops bolsonarista projetava a ideia de um regime de exceção, no qual qualquer medida extrema se justificaria como resistência legítima. A denúncia também revela como o terrorismo informacional foi um fator-chave para manter a base bolsonarista mobilizada. A cada novo revés jurídico ou político do ex-presidente, uma nova teoria conspiratória surgia para reforçar a necessidade de "agir antes que seja tarde". Quando as eleições se aproximaram, os discursos se tornaram mais apocalípticos, com ameaças explícitas de que a vitória de Lula resultaria na destruição dos valores cristãos, na criminalização do conservadorismo e até mesmo em uma perseguição estatal contra eleitores de direita. O objetivo era simples: criar uma atmosfera de medo absoluto, onde o golpe não fosse apenas desejável, mas uma questão de sobrevivência.
A guerra psicológica também se manifestou no próprio 8 de janeiro, onde a crença da base bolsonarista na "salvação pelo Exército" atingiu seu ponto máximo. A denúncia demonstra que, mesmo após o fracasso da tentativa de golpe, milhares de pessoas permaneceram em frente a quartéis, convencidas de que os militares iriam intervir a qualquer momento. Esse fenômeno só pode ser explicado pelo efeito prolongado da psyops, onde a adesão à narrativa fortalece-se do que qualquer evidência em contrário. Não importa que o Exército jamais tenha sinalizado que entraria em ação; a base bolsonarista, já imersa na realidade alternativa, seguia esperando uma solução que nunca viria. A denúncia da PGR desmonta qualquer argumento de que o que ocorreu no Brasil foi apenas "excesso de discurso" ou "falta de bom senso político". O que houve foi um processo deliberado e sistemático de guerra psicológica contra a democracia, onde a percepção pública foi manipulada para criar as condições ideais para um golpe de Estado. Esse processo não terminou. Mesmo após o desmonte do grupo golpista e o avanço das investigações, as táticas da guerra híbrida continuam em operação, garantindo que o bolsonarismo permaneça vivo como força política e esteja pronto para ser reativado em novos momentos de crise. O Brasil se tornou um caso emblemático de como a guerra híbrida pode ser aplicada dentro de um sistema democrático, sem a necessidade de tropas estrangeiras ou ocupação militar. A guerra foi travada no campo da mente, da informação e da percepção pública, e seus efeitos ainda estão longe de desaparecer.
Se a guerra híbrida é uma estratégia que combina diferentes formas de ataque contra a estabilidade institucional de um país, uma de suas armas mais eficazes é o lawfare – o uso do sistema jurídico como instrumento de perseguição política, desestabilização institucional e deslegitimação de adversários. No caso brasileiro, a denúncia da PGR confirma que a tentativa de golpe não se limitou ao uso de desinformação e operações psicológicas, mas incluiu também o planejamento de ações dentro do próprio sistema legal para viabilizar a ruptura democrática. A denúncia expõe um dos aspectos mais alarmantes desse plano: o projeto de prisão de ministros do STF e do TSE. A ideia não surgiu de um delírio momentâneo dos conspiradores, mas de um cálculo estratégico típico da guerra híbrida, no qual o desmonte do Judiciário era visto como um passo essencial para viabilizar o golpe. O documento revela que houve reuniões específicas para discutir a possibilidade de usar a máquina do Estado para emitir mandados de prisão contra Alexandre de Moraes e outros ministros, além de mecanismos para justificar essas ações sob um verniz de legalidade. Essa é uma característica clássica do lawfare: fazer parecer que medidas autoritárias são respaldadas pelo sistema legal, de modo a torná-las mais palatáveis para a sociedade e para setores das Forças Armadas que poderiam hesitar diante de uma ruptura institucional aberta. O ataque ao Judiciário dentro da guerra híbrida brasileira também se deu de outra forma: a constante desmoralização pública do STF e do TSE como instituições aparelhadas e ilegítimas. Desde 2019, Bolsonaro e seus aliados impulsionaram uma campanha para pintar a Suprema Corte como uma entidade "militante", comprometida em destruir a direita e inviabilizar a governabilidade. Esse discurso, repetido diariamente em redes sociais, veículos de mídia bolsonaristas e até em declarações oficiais, criou um ambiente de descrédito total sobre o Judiciário, preparando o terreno para justificar medidas extremas.
A denúncia da PGR detalha como essa estratégia foi intensificada na reta final das eleições de 2022. Com a crescente rejeição de Bolsonaro nas pesquisas e a iminência de uma derrota eleitoral, o discurso passou de uma crítica genérica ao STF para uma acusação direta de que a Corte estava manipulando o processo eleitoral. A decisão de Moraes de combater redes de desinformação e perfis bolsonaristas envolvidos na produção de fake news foi transformada em "censura", e qualquer ação do Judiciário contra militantes golpistas passou a ser tratada como um "ataque à liberdade de expressão". Esse ataque coordenado ao STF teve um objetivo claro dentro da lógica da guerra híbrida: deslegitimar antecipadamente qualquer decisão judicial que barrasse os planos golpistas. Ao transformar Alexandre de Moraes no inimigo número um da direita, o bolsonarismo tentou criar uma situação na qual a sociedade estivesse dividida e uma eventual prisão do ministro fosse vista como um "ato de resistência democrática", e não como um passo rumo à ditadura. Outro aspecto relevante que a denúncia traz é a tentativa de instrumentalização da Procuradoria-Geral da República e das polícias federais para favorecer a narrativa golpista. A PGR menciona que, durante o governo Bolsonaro, houve esforços para influenciar investigações, retardar processos contra aliados do ex-presidente e até mesmo obstruir investigações envolvendo fake news e ataques institucionais. Esse tipo de tática faz parte do lawfare sob uma nova ótica: não apenas usar o sistema judicial contra adversários, mas também sabotar sua capacidade de agir contra os próprios conspiradores.
O lawfare como estratégia de guerra híbrida não se limita a perseguir opositores ou enfraquecer o Judiciário; ele também atua na construção de uma nova ordem legal que legitime o autoritarismo. No Brasil, vimos ensaios dessa tática com as tentativas bolsonaristas de aprovar leis que criminalizavam jornalistas, restringiam o escopo de atuação do STF e promoviam anistia para crimes cometidos por militares e políticos aliados. Esses movimentos não foram apenas ações isoladas de um governo autoritário, mas parte de uma estratégia mais ampla para moldar o arcabouço legal para favorecer a guerra híbrida, tornando seus operadores imunes a consequências legais e criando um ambiente onde o golpe pudesse ser consolidado sem resistência judicial efetiva. A denúncia da PGR confirma, portanto, que o ataque ao Judiciário foi um elemento central da tentativa de golpe, planejado em diferentes frentes – da desmoralização midiática até tentativas concretas de prender ministros e obstruir investigações. Essa estratégia não é nova e já foi utilizada em golpes recentes pelo mundo, como na Turquia, na Hungria e na Bolívia, onde o lawfare serviu para pavimentar regimes autoritários sem a necessidade de tanques nas ruas.
A grande questão que fica é: como impedir que esse tipo de ataque ao Judiciário continue ocorrendo no Brasil? A guerra híbrida não se encerra com uma única tentativa fracassada de golpe. Seus operadores aprendem, se adaptam e retornam com novas abordagens, buscando maneiras mais sofisticadas de fragilizar o sistema legal e legitimar o autoritarismo. Se o país não reforçar mecanismos para proteger o Judiciário de campanhas de lawfare e sabotagem, a democracia continuará vulnerável a novos ataques. O lawfare já foi utilizado no Brasil de diferentes formas nos últimos anos – desde a perseguição jurídica contra líderes progressistas até as tentativas recentes de moldar o sistema legal para viabilizar um golpe. A denúncia da PGR é um documento fundamental porque expõe essa dinâmica com provas concretas, permitindo que a sociedade e as instituições tomem medidas para prevenir que essa estratégia volte a ser usada no futuro. A guerra híbrida, no fim das contas, não precisa de uma vitória imediata. Seu objetivo é desgastar as instituições ao longo do tempo, enfraquecendo a democracia até que um momento de ruptura se torne inevitável. O Brasil conseguiu barrar a primeira tentativa, mas o embate continua. E a única forma de vencê-lo é garantindo que o Judiciário permaneça sólido, independente e imune às armadilhas do lawfare.
Se há um padrão nos golpes de Estado do século XXI, é a tentativa de cooptar setores militares para dar um verniz de legitimidade à ruptura democrática. No Brasil, essa estratégia não foi apenas cogitada; ela foi meticulosamente planejada, como revela a denúncia da PGR. O documento deixa claro que o núcleo golpista tentou, de diversas formas, arrastar as Forças Armadas para um movimento que garantiria a permanência de Bolsonaro no poder, mesmo sem vitória eleitoral. A guerra híbrida não se baseia apenas em operações psicológicas e lawfare; ela precisa de um braço armado para que, em um determinado momento, a insurreição possa se transformar em um fato consumado. A denúncia mostra que Bolsonaro e seus aliados sabiam disso e, por isso, atuaram em várias frentes para garantir a adesão de setores militares ao golpe. O ponto central dessa estratégia era criar uma narrativa de caos e instabilidade, convencendo oficiais de que uma intervenção seria necessária para "restaurar a ordem". Os encontros de Bolsonaro com comandantes militares e figuras da alta cúpula do Exército não foram apenas reuniões políticas comuns. Segundo a PGR, foram tentativas diretas de convencimento, nas quais o então presidente e seus aliados apresentaram planos concretos para usar as Forças Armadas na ruptura institucional. Esse movimento incluiu reuniões com generais e ministros da Defesa, onde foram discutidas possibilidades como um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reprimir opositores, a decretação de estado de sítio e até mesmo a prisão de ministros do STF e do TSE. A tática utilizada pelo bolsonarismo para tentar atrair os militares seguiu um roteiro conhecido na guerra híbrida: testar a adesão das Forças Armadas mediante provocações institucionais, monitorando suas reações. O primeiro passo foi criar desconfiança no sistema eleitoral, estimulando oficiais a questionarem a lisura das urnas eletrônicas. A PGR aponta que, em diversos momentos, Bolsonaro tentou trazer o Exército para o debate eleitoral, sugerindo auditorias e investigações que visavam apenas semear dúvidas sobre o processo democrático. Isso é parte de um método clássico: fazer com que as Forças Armadas assumam um papel de "árbitro" da crise, para que, no momento certo, possam intervir sem parecer que estão dando um golpe.
A denúncia também revela que houve pressão direta sobre comandantes militares, com o objetivo de forçar um posicionamento favorável à ruptura democrática. Segundo o documento, Bolsonaro e seus aliados sondaram a possibilidade de apoio a uma "intervenção constitucional", termo que o bolsonarismo usou para mascarar a ideia de um golpe de Estado. A estratégia aqui era simples: se os militares aceitassem entrar no jogo, a transição de poder poderia ser bloqueada com a justificativa de que o país estava à beira do colapso institucional. No entanto, a adesão irrestrita das Forças Armadas não veio, e o plano precisou ser ajustado. Com a recusa de alguns setores militares em embarcar no golpe, Bolsonaro e seus aliados partiram para o plano B: mobilizar civis para pressionar os quartéis e criar um ambiente de crise que forçasse uma resposta das Forças Armadas. Foi nesse contexto que surgiram os acampamentos golpistas em frente aos quartéis, que funcionaram como uma espécie de teatro de insurreição controlada, onde milhares de bolsonaristas foram mobilizados para pedir uma intervenção militar "espontânea".
A PGR detalha que esses acampamentos não foram iniciativas isoladas de manifestantes indignados, mas parte de um movimento coordenado, financiado por empresários aliados ao bolsonarismo e sustentado por uma rede de desinformação que mantinha as pessoas convencidas de que um golpe era iminente. Os golpistas sabiam que as Forças Armadas não iriam tomar a iniciativa sozinhas, então buscaram criar uma crise artificial que obrigasse os militares a se posicionarem. Essa tática já foi utilizada em outros países, como na Bolívia em 2019, quando protestos foram usados como justificativa para que os militares "atendessem ao clamor popular" e forçassem a renúncia de Evo Morales. O auge dessa estratégia ocorreu nos dias que antecederam o 8 de janeiro. A denúncia revela que, nos bastidores, os articuladores do golpe ainda tentavam convencer generais e almirantes de que era possível agir sem grande resistência. Havia a expectativa de que, se o caos fosse instalado nas ruas, os militares seriam pressionados a intervir para "controlar a situação". Essa lógica é a mesma usada no golpe de 1964, quando a ideia de um país à beira do colapso foi alimentada para justificar a deposição de João Goulart.
Mas o erro de cálculo dos golpistas foi subestimar a divisão dentro das Forças Armadas. A denúncia aponta que, embora houvesse generais simpáticos ao projeto autoritário, não houve consenso suficiente para que um golpe fosse levado adiante sem riscos. Sem essa adesão total, o plano precisou ser executado de forma mais improvisada – e foi assim que os eventos de 8 de janeiro se desenrolaram. A invasão dos Três Poderes foi o último ato da tentativa de golpe, um momento no qual os conspiradores apostaram que uma explosão de violência criaria as condições para que setores militares entrassem em ação. Mas, ao contrário do que se esperava, o efeito foi o oposto: o ataque à democracia gerou uma resposta firme das instituições e isolou os golpistas, levando à prisão de diversos envolvidos e ao avanço das investigações. O que fica claro na denúncia é que a guerra híbrida no Brasil incluiu uma tentativa explícita de transformar as Forças Armadas em um agente golpista, mas esse movimento fracassou porque, apesar da ideologização de alguns setores militares, não houve consenso interno para embarcar em uma aventura que poderia resultar em guerra civil e sanções internacionais.
Isso não significa que o perigo passou. A guerra híbrida não se encerra com um golpe frustrado; ela se adapta e continua operando sob novas formas. O bolsonarismo, mesmo enfraquecido, segue ativo dentro das Forças Armadas, buscando maneiras de manter sua influência e preparar novas oportunidades de ataque à democracia. A lição que fica é que, enquanto essa influência não for enfrentada de maneira estrutural, o Brasil permanecerá vulnerável a novas investidas autoritárias. O caso brasileiro mostra que, no século XXI, os golpes não são dados com tanques nas ruas de imediato, mas com anos de manipulação informacional, criação de crises artificiais e tentativas de usar as Forças Armadas como ferramenta política. A denúncia da PGR não apenas expõe a profundidade dessa articulação, mas também deixa claro que a luta contra a guerra híbrida não terminou – ela apenas entrou em uma nova fase.
Se a guerra híbrida tem um campo de batalha essencial, esse campo é o espaço digital. O Brasil foi um dos países onde a manipulação informacional se tornou uma ferramenta central da política, permitindo que narrativas falsas fossem espalhadas em velocidade e escala inéditas. A denúncia da PGR expõe como as Big Techs – empresas como Meta (Facebook, WhatsApp, Instagram), Google (YouTube), X (antigo Twitter) e Telegram – foram utilizadas como verdadeiras armas na tentativa de golpe. Sem o uso massivo dessas plataformas, a mobilização golpista simplesmente não teria sido possível. O documento revela que a operação de desinformação promovida por Bolsonaro e seus aliados foi orquestrada e contínua, seguindo um modelo já testado nas eleições de 2018 e aprimorado nos anos seguintes. A estratégia envolveu a criação de bolhas digitais, redes de influência e a repetição incessante de mentiras, absorvidas como verdades absolutas por milhões de brasileiros. O objetivo não era apenas enganar o público, mas criar um ecossistema informacional paralelo, onde a realidade oficial – baseada em fatos, leis e decisões institucionais – fosse substituída por uma realidade alternativa, moldada exclusivamente pelo bolsonarismo. A denúncia detalha como redes sociais e aplicativos de mensagens foram usados para disseminar teorias da conspiração, deslegitimar as eleições e organizar atos de insurreição. WhatsApp e Telegram, plataformas de difícil monitoramento devido à criptografia e ao modelo de grupos fechados, foram os epicentros da radicalização. Em milhares de grupos, alimentados por influenciadores digitais, políticos e até militares da reserva, circularam mensagens diárias alertando sobre uma suposta “ameaça comunista”, criando o medo constante de que Lula e o STF estivessem tramando um golpe contra Bolsonaro. O método foi semelhante ao utilizado por Donald Trump nos Estados Unidos antes da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.
A denúncia também demonstra que a manipulação informacional não foi apenas espontânea ou orgânica, mas sim financiada e estruturada. Empresários bolsonaristas despejaram dinheiro em anúncios direcionados e campanhas de desinformação nas redes, utilizando mecanismos das próprias Big Techs para impulsionar conteúdos golpistas. YouTube e Facebook permitiram, durante meses, a circulação de vídeos e publicações que questionavam a segurança das urnas eletrônicas, mesmo após inúmeras decisões do TSE determinando a remoção desse tipo de material. O próprio algoritmo das plataformas favoreceu a radicalização, uma vez que conteúdos extremistas geram mais engajamento e, portanto, são priorizados nos feeds dos usuários. O Telegram foi um dos principais vetores da radicalização. A plataforma, conhecida por sua falta de regulação e por abrigar grupos extremistas, serviu como centro de comando para a mobilização golpista. Durante meses, influenciadores bolsonaristas operaram canais onde compartilhavam mensagens cifradas sobre o "grande dia" e incentivavam seus seguidores a se prepararem para a "tomada do poder". A denúncia da PGR mostra que foi nesses grupos que se articulou a invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro, provando que o ataque não foi espontâneo, mas planejado dentro dessa estrutura digital.
Outro ponto crucial abordado na denúncia é o uso de desinformação para manipular a percepção pública sobre a resposta das instituições. Após a derrota de Bolsonaro, grupos bolsonaristas passaram a espalhar boatos de que o Exército estava "pronto para agir" e que Lula não conseguiria tomar posse. Essas mensagens foram intencionalmente desenhadas para manter a base mobilizada, impedindo que os apoiadores mais radicais se desmobilizassem e aceitando a transição de poder. O objetivo era criar um estado de expectativa permanente, onde cada nova decisão do STF ou do Congresso pudesse ser interpretada como um sinal de que o golpe estava "prestes a acontecer". As Big Techs também desempenharam um papel ambíguo nesse processo. Enquanto algumas plataformas adotaram medidas para conter a desinformação, outras foram negligentes ou deliberadamente permissivas, permitindo que conteúdos golpistas circulassem sem restrições. O X (antigo Twitter), sob a gestão de Elon Musk, flexibilizou sua política de moderação, permitindo que perfis extremistas tivessem maior alcance e voltassem a espalhar fake news em larga escala. Essa leniência das plataformas com conteúdos de extrema-direita não é exclusiva do Brasil – já foi observada nos Estados Unidos, na Índia e em países da Europa, onde grupos ultraconservadores conseguiram transformar as redes sociais em espaços de manipulação massiva.
A denúncia da PGR deixa claro que o bolsonarismo não precisou de um aparato estatal tradicional para articular sua tentativa de golpe – bastou um sistema digital eficiente, estruturado e disseminado por milhões de brasileiros, que atuaram como soldados digitais na guerra híbrida. O ataque à democracia não ocorreu apenas nas ruas de Brasília, mas sim na percepção da realidade, onde a verdade foi progressivamente substituída por um discurso fabricado e amplificado pelas redes sociais. O caso brasileiro expõe um problema global: as Big Techs se tornaram instrumentos centrais da guerra híbrida, permitindo que democracias sejam atacadas de dentro para fora, sem a necessidade de tanques ou invasões militares. O impacto da manipulação informacional no Brasil ainda será sentido por muitos anos, e a grande questão que se coloca é: como impedir que essas mesmas plataformas sejam usadas para arquitetar novos ataques no futuro? A guerra híbrida digital não terminou – ela apenas se reorganiza para a próxima fase.
O golpe bolsonarista não fracassou por falta de planejamento ou falta de disposição de seus articuladores. Ele fracassou porque as variáveis estratégicas não se alinharam a tempo para garantir a tomada de poder sem uma resistência institucional esmagadora. A denúncia da PGR deixa claro que o 8 de janeiro não foi um protesto espontâneo, mas sim a fase final de uma tentativa de golpe que vinha sendo articulada desde 2021 e que foi se adaptando conforme os eventos políticos e institucionais se desenrolavam. A estratégia seguiu um roteiro já conhecido em tentativas de golpes no século XXI: primeiro, a desmoralização das instituições democráticas, depois a fabricação de uma crise artificial, seguida de tentativas de cooptar as Forças Armadas, e por fim, a mobilização da base radicalizada para criar o pretexto final para a ruptura democrática. Todos esses elementos estavam em jogo no 8 de janeiro. Os dias que antecederam a invasão dos Três Poderes foram marcados por uma série de sinais de que algo grande estava prestes a acontecer. A denúncia da PGR aponta que havia uma comunicação clara entre bolsonaristas influentes, militares da reserva e grupos organizados de extrema-direita, que incentivavam a ida de manifestantes a Brasília. Nos grupos de WhatsApp e Telegram, mensagens circulavam pedindo que as pessoas “resistissem até o fim” e que o momento da virada estava próximo. Essa narrativa foi impulsionada por semanas de desinformação e teorias da conspiração, que garantiam que o Exército entraria em ação caso houvesse uma mobilização massiva nas ruas.
Na prática, o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe de Estado baseada na crença de que o caos poderia forçar uma resposta militar. O plano era simples: invadir as sedes do governo, causar destruição simbólica e paralisar o funcionamento do Estado para criar um ambiente de instabilidade que justificasse uma intervenção. Esse tipo de tática já foi usada em golpes recentes, como na Bolívia em 2019 e nos Estados Unidos em 2021, onde a insurreição no Capitólio seguiu uma lógica semelhante. A invasão começou com uma falha deliberada da segurança pública. A denúncia aponta que houve omissão intencional de forças policiais e militares, que permitiram que milhares de manifestantes chegassem sem resistência às sedes dos Três Poderes. O objetivo era criar uma cena de caos generalizado, que seria transmitida ao vivo para todo o país e para o mundo, fortalecendo a ideia de que o Brasil estava à beira de um colapso institucional. Os ataques ao Palácio do Planalto, ao STF e ao Congresso Nacional não foram apenas atos de vandalismo – foram atos cuidadosamente planejados para destruir a autoridade do Estado. Ao invadir o STF e depredar gabinetes, os golpistas queriam enviar um recado de que a Justiça não teria mais poder sobre o país. No Palácio do Planalto, os ataques simbólicos buscavam criar a imagem de um governo derrotado, enquanto no Congresso, a destruição do plenário representava um ataque direto ao Poder Legislativo.
O erro de cálculo dos golpistas foi acreditar que essa ação criaria um efeito dominó dentro das instituições e das Forças Armadas. O que aconteceu foi o contrário: a resposta institucional foi rápida e coordenada, isolando os conspiradores e garantindo que a tentativa de golpe fosse esmagada antes que pudesse ganhar força. O Exército, que era visto como peça-chave para validar o golpe, optou por não intervir, e as prisões começaram a ser efetuadas nas horas seguintes à invasão. A denúncia da PGR também revela que Bolsonaro acompanhou os eventos à distância e não agiu para contê-los, o que reforça o caráter deliberado da ação. Sua estratégia era esperar para ver se o caos geraria uma resposta militar – e quando percebeu que isso não aconteceria, adotou um tom de distanciamento, fingindo não ter relação com os atos. Esse comportamento segue o padrão de outros líderes populistas envolvidos em tentativas de golpe, como Donald Trump no ataque ao Capitólio. O 8 de janeiro foi a expressão final da guerra híbrida no Brasil, o momento em que as operações psicológicas, a manipulação da informação, o lawfare e a mobilização de milícias digitais culminaram em um ataque direto ao Estado. Mas seu fracasso também demonstra que a democracia brasileira, apesar de ter sido abalada, resistiu à investida mais agressiva do bolsonarismo. A guerra híbrida, no entanto, não termina com um golpe fracassado. Os responsáveis pela tentativa de tomada de poder seguem ativos, adaptando suas estratégias e buscando novas oportunidades para desestabilizar o país. A denúncia da PGR é um marco na luta contra esse modelo de guerra, pois documenta com provas concretas como a extrema-direita brasileira tentou manipular o sistema para destruir a democracia por dentro. O que vem depois do 8 de janeiro? A resposta depende da capacidade do Estado de enfrentar não apenas os responsáveis diretos pelo golpe, mas os mecanismos que possibilitaram sua articulação. A guerra híbrida é um processo contínuo – e o Brasil precisa estar preparado para suas próximas fases.
Conclusões - A denúncia da PGR não deixa dúvidas: o Brasil foi alvo de uma tentativa coordenada de golpe de Estado, articulada nos moldes clássicos da guerra híbrida. Não foi um episódio isolado, nem uma reação espontânea de manifestantes inconformados. O que vimos foi um processo cuidadosamente planejado ao longo de anos, combinando desinformação em larga escala, lawfare, cooptação de setores militares e insurreição popular como última cartada. O que impediu o sucesso da ofensiva golpista foi a resistência institucional e a falta de apoio unânime dentro das Forças Armadas – mas isso não significa que a ameaça tenha sido neutralizada definitivamente. A guerra híbrida não opera como os golpes militares do século passado. Seu objetivo não é necessariamente tomar o poder de imediato, mas sim desgastar, desmoralizar e enfraquecer progressivamente as instituições democráticas. O fracasso da tentativa de golpe em 8 de janeiro não significa que seus articuladores desistiram; significa apenas que eles irão reformular suas táticas, buscando novas formas de minar a governabilidade, influenciar eleições futuras e manter viva a máquina de desinformação que sustentou o bolsonarismo até agora.
O principal desafio agora não é apenas punir os envolvidos no golpe, mas desmantelar a infraestrutura que possibilitou sua articulação. Isso significa regular plataformas digitais para impedir que elas continuem funcionando como amplificadoras de propaganda golpista; fortalecer a educação midiática para reduzir a vulnerabilidade da população à manipulação informacional; e reformular o papel das Forças Armadas na política nacional, impedindo que militares continuem sendo usados como instrumento de chantagem política. A denúncia da PGR é um passo importante, mas ela precisa ser acompanhada de medidas concretas para neutralizar a guerra híbrida no Brasil. Caso contrário, o país seguirá como um laboratório para novas experiências de desestabilização, servindo de exemplo para outras nações onde a extrema-direita busca tomar o poder pela via da manipulação e do caos controlado. A guerra híbrida é um processo de longo prazo. Ela não termina com um golpe frustrado, nem com a prisão de alguns conspiradores. Ela segue ativa, mutante, sempre buscando novos meios de corroer a democracia de dentro para fora. O Brasil sobreviveu à sua investida mais agressiva até agora, mas a batalha pela soberania informacional e pela estabilidade política continua longe de ser vencida.
Jornalista e diretor executivo da Rede Conecta de Inteligência Artificial e Educação Científica e Midiática (UFF/CNPq), onde desenvolve estudos sobre comunicação política e científica, sob a perspectiva da qualidade da informação.
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