Não temos um segundo planeta para onde fugir
Espero que você não tenha fritado os miolos no calor infernal dos últimos dias, na maior parte do Brasil, e leia esse artigo até o fim. Sim, eu sei, ninguém gosta de falar do “fim do mundo”. Ondas de calor, incêndios incontroláveis, fome e seca, aumento do nível do mar, cidades litorâneas varridas do mapa, lixo nos oceanos… Quem quer saber de catástrofe? Logo agora que mal saímos da pandemia e nos livramos de uma praga de proporções bíblicas (hoje, felizmente, inelegível)?
Não dá para adiar essa conversa? Lamento dizer: não dá. O tal do “fim do mundo” já chegou. A catástrofe climática já está acontecendo. Não vai haver um dia do juízo final, um evento súbito e inesperado como o choque do asteroide contra a Terra que extinguiu os dinossauros e 75% das espécies vivas do planeta 65 milhões de anos atrás. O desastre climático já é a soma, dia após dia, de enchentes, inundações, tempestades e incêndios que ocupam o noticiário com seus efeitos devastadores: perda de vidas, prejuízos materiais, emocionais e mentais incalculáveis.
E isso é só o começo. Estamos agredindo a natureza com tanta violência e há tanto tempo que os efeitos serão sentidos por gerações ainda que, por um milagre, a agressão parasse agora. Mesmo que os países e os grandes conglomerados econômicos reduzissem as emissões de gases do efeito estufa de forma rápida e profunda a partir deste momento, o acúmulo desses gases é de tal monta que nossos filhos e netos serão testemunhas (e vítimas?) de desgraças que já estão contratadas. Não é agradável dizer isso. Mas é preciso dizer. O ser humano engendrou a hecatombe, planejou e produziu com esmero um futuro de incertezas para os que ainda nem nasceram. Que vergonha!
E aí, o quê fazer? Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que: este desastre é produzido pela espécie humana, demanda soluções complexas e imensos esforços de mobilização e pressão popular sobre governos, organismos multilaterais e empresas globais. Sim, porque é o grande capital que, além de produzir desigualdades, explora o planeta como se não houvesse amanhã. É dele que temos que cobrar a solução em grande escala.
São muitas as perguntas que temos de fazer sobre os atos mais banais do nosso cotidiano porque eles estão atravessados pelas feridas que fazemos na Terra. O que comemos vem de área desmatada? Se vem, não deveríamos deixar de comer? Nossas cidades não poderiam ter mais árvores? Por que não exigimos dos governos a criação de túneis verdes que poderiam amenizar a temperatura das ruas? Como é que um país com o PIB do Brasil ainda não universalizou rede de esgoto para a população? Vamos continuar furando poço de petróleo? Sério?
Precisamos de cidades menos hostis a nós mesmos. O urbanista Carlos Moreno, professor da Universidade de Sorbonne, na França, criou o conceito da “Cidade de 15 minutos”. Em resumo, ele propõe que as cidades sejam planejadas (e reconfiguradas) de forma tal que o cidadão possa resolver suas necessidades cotidianas (trabalho, escolas, hospitais, restaurantes, parques e praças) deslocando-se a pé ou de bicicleta em trajetos de 15 minutos, mais ou menos. Essa proposta é factível? Não sou urbanista para responder, mas acho que ela já vale só por nos fazer refletir sobre as aberrações urbanas em que vivemos, orientadas pelos interesses da especulação imobiliária e não pelo bem-estar coletivo.
Chegamos à beira do abismo guiados por uma mentalidade antropocêntrica, que julga o ser humano superior a todas as outras espécies, que vê plantas e animais como “recursos” a serviço do homem. Nada mais enganoso. Somos parte da natureza. Não estamos acima dela e precisamos parar de sangrá-la imediatamente. Colônias na lua? Em Marte? Esqueça. A vida é aqui e agora e a Terra é o único lugar onde podemos viver.
Cristina Serra
Paraense de Belém, jornalista e escritora. Formou-se em jornalismo na Universidade Federal Fluminense. Trabalhou nos jornais Resistência, Leia Livros, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, revista Veja e Rede Globo. Tem quatro livros publicados. Atualmente, é comentarista do ICL Notícias.
Paraense de Belém, jornalista e escritora. Formou-se em jornalismo na Universidade Federal Fluminense. Trabalhou nos jornais Resistência, Leia Livros, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, revista Veja e Rede Globo. Tem quatro livros publicados. Atualmente, é comentarista do ICL Notícias.
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