Ridículos somos nós, manietados por esses estrategistas do caos. Por Kakay




Por Kakay

“Para iludir a minha desgraça, estudo. Intimamente sei que não me iludo.”   –  Augusto dos Anjos

São incríveis a desfaçatez, o cinismo e, de certa forma, a crueldade de parte da dita elite brasileira.

A falta absoluta de visão do todo, de noção de país e de responsabilidade que todos nós temos com os destinos do Brasil é chocante.

Principalmente no grave momento de crise sanitária e instabilidade institucional.

A falta de compromisso e de seriedade com o povo brasileiro e a irresponsabilidade por parte do governo federal no enfrentamento a pandemia nos levam a uma indignação sem precedentes!

Os 560 mil óbitos falam por todos.

Mais de meio milhão de mortos significa milhões de órfãos, de amores desfeitos, de andarilhos invisíveis e de insepultos por não aceitarem a tragédia do crime da omissão governamental.

E o trabalho da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) escancara que, na verdade, não foi apenas um negacionismo criminoso, foi corrupção.

Foram acordos obscuros nos quais a vida tinha preço. E isso se dava num ambiente onde o culto à morte era o resultado não só da falta de empatia, mas de um negócio lucrativo.

Ao lado de todas as perplexidades, acompanhamos o desmanche literal da ideia de país.

Os exemplos estão em todas as áreas.

O presidente da Fundação Palmares parece ter a função de fazer desaparecer a história dos negros.

Mas não cuida só de apagar, ele quer se orgulhar de ser, em nome de um governo racista, a pessoa que humilhou a memória de quem ele deveria preservar.

E isso também acontece na área do meio ambiente, com um enfrentamento de toda a política mundial no trato com a questão. Há um acinte assumido no descaso com qualquer política de preservação.

Mudou o ministro, mas nada mudou.

É um governo que ri e tem orgulho da própria desgraça. Como nos ensina Cora Coralina:
“O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes.”
E assim vamos nos esfacelando em praça pública.

Na reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, o mais interessante do país, o presidente da República deu vexame ao receber, sem máscara e com piadas preconceituosas, a comitiva portuguesa. O presidente de Portugal reconheceu para a imprensa lusitana que sentiu vergonha alheia.

Nem preciso anotar a pilhéria a que foram submetidas as Forças Armadas naquele espetáculo grotesco do desfile do nosso poderio bélico.

É uma cuidadosa destruição da autoestima nacional, em todos os ângulos imagináveis.

O que impressiona é que, mesmo com a volta da fome, com o desemprego atingindo números alarmantes, com a inflação rondando e com a miséria assumindo as garras da face assassina da crise, nós temos um grande grupo de brasileiros que se orgulha de crescer neste momento de dificuldade.

É como se fosse possível acreditar na hipótese de comemorar um tal sucesso individual no meio do absoluto caos. Esqueceram do ensinamento da imortal Cecília Meirelles:
“Homem vulgar! Homem de coração mesquinho. Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.”
Há uma densa nuvem que cega esses grupos como uma catarata madura e, ao mesmo tempo, tenta isolar 2 ou 3 “Brasis”.

O Brasil que cresce indiferente ao recrudescimento da miséria é um país que quer aprofundar o fosso e a distância. Para esse povo racista, fascista e misógino, a pobreza tem cor, cheiro e um rosto que eles abominam.

Eles têm nojo dos que não usufruem da vida glamorosa que eles julgam ter. Por isso, o aprofundamento das divergências é, na verdade, um bálsamo para eles. Uma distância que permite que a miséria não os incomode.

É claro que existem algumas exceções daqueles que exercem com dignidade o crescimento profissional. Essa é a diferença.

No mundo hoje, mais do que nunca, é imperioso ter lado.

É assim em tudo na vida. Não se pode admitir, por exemplo, na minha área do direito, que aproveitadores baratos se intitulem contra a corrupção – o que é o básico do básico –, mas que apoiem a corrupção do sistema de justiça implementada pelo bolsonarista do Moro e seus “procuradores assessores”, que instrumentalizaram o Judiciário em nome de um projeto de poder.

Esses têm nome: canalhas.

É cansativo conviver com a retórica vulgar.

A mediocridade é a marca desses bárbaros.

E nós estamos perdendo, mais uma vez, a luta contra o obscurantismo. Um governo neofascista e midiático vai minando a inteligência.

São profissionais.

Enquanto o abismo se aprofunda, as cortinas de fumaça vão obstruindo qualquer discussão séria.

Informações falsas ocupam a imprensa nacional, um patético pedido de impeachment de 2 ministros do Supremo ocupa as primeiras páginas e mobiliza o país.

Ridículos somos nós, manietados por esses estrategistas do caos.

Num país onde o presidente anuncia previamente um golpe, ataca os poderes constituídos e fala em fechar o Congresso e o Judiciário, nós nos ocupamos de factoides.

Às vezes me pergunto, nas noites de angústia, quando a poesia é a única companheira: será que nós não merecemos esse traste? Onde erramos?

Com a lembrança do irreverente maldito Charles Bukowski:
“Quando a gente acha que chegou no fundo do poço, sempre descobre que pode ir ainda mais fundo. Que escrotidão.”






Antônio Carlos de Almeida Castro
, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal.



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