O dia em que foi selada a derrota do ódio


Barbárie X Civilização diz um cartaz na manifestação de São Paulo.



Fernando Brito

Passeando com mais calma pelas imagens dos atos de ontem, mais certeza tive do que escrevi antes: as mulheres e os jovens selaram ontem o fim da liderança de Jair Bolsonaro nas intenções de voto para o próximo domingo.

Havia lugar para nós, os “coroas”, claro. Mas a festa era delas e deles, e festa de bom motivo para jovens e mulheres: a liberdade.

Estava demorando: era uma eleição sem ruas, quase, exceção feita ao Nordeste, onde ainda se pôde ver bandeiras e marchas no domingo passado, enchendo as avenidas e pontes do Recife.

A maré humana acabou vindo sem candidatos,sem televisão, sem organicidade. Mas veio.

Encheram-se as ruas de jovens e mulheres – aos quais, perdoem-me as radicais, homens adultos sempre devem dar passagem cortês – da melhor maneira que se pode juntar gente: todos diferentes, com candidatos, partidos, escolhas, em suas próprias naturezas, para fazer a escolha mais legítima e verdadeira: a do que não se quer, mais do que a que se quer.

Porque não é, afinal, este o grande critério: o de ser capaz de aceitar tudo no outro, menos o inaceitável, que é o mal?

Talvez, de verdade, não haja entre as coisas que desejamos, nada que saibamos tanto quanto aquelas que não queremos: ódio, morte, violência, opressão, miséria, degradação, perda do respeito ao que cada um é e tem o direito de ser.

Não foi assim que criamos nossos filhos, os seres mais queridos que temos? O que cada um vai fazer da vida é problema deles, o nosso foi e é zelar e prover para que possam fazer escolhas como quiserem. Cedo ou tarde nos ouvem, se agimos assim, porque todo furor amaina, todo inconvencional se ajusta às durezas da vida.

Quanto nos custa, sendo tão amados ensinar-lhes que não são especiais senão para nós, que não são melhores que os outros ou que têm mais direitos que eles, porque seres humanos produzem o que seria, nos números, um paradoxo, no qual os diferentes são, essencialmente, iguais.

Inevitável que, à beira dos 60, voltem as imagens da juventude que não se foi, quando enchemos as ruas para outra causa tão generosa quanto a da democracia, a anistia política, em 1977/78.

Talvez não tivéssemos a clareza de expressar, mas queríamos que estivessem ali nossos pais e avós, como muitos estavam ontem. Não estavam, a maioria, porque a ditadura a muitos perseguiu, prendeu, matou e a todos, muito ou pouco, amedrontou e fez descrer da ressurreição da liberdade sepultada há tantos anos.

Mas nos prepararam para entender como se deveria viver. Romper o medo era tarefa de nossa juventude, fase em que temos forte como nunca o sentimento do mundo.

Escrevemos com tinta humana a história de um tempo e estamos vendo outro tempo ter sua história escrita. E só os mesquinhos, os odientos não têm prazer em ver a trajetória destas linhas, sinuosa e, por vezes,de difícil decifração.O futuro não se escreve com ideias duras e inflexíveis.

Elas não estão exorcizadas, estão fortes, ainda, capazes de ir às ruas conjurar seus demônios.

Ontem, porém, as ruas mostraram que há um Brasil disposto a se livrar do ódio.

De nada sabemos o fim, mas dos princípios podemos ter certeza.

Ditaduras, torturas, espancamentos, tiroteios, mortes, sangue, tiranias, eles não.



Postado em Tijolaço em 30/09/2018



O Brasil se deparou neste sábado, 29 de setembro, com a maior manifestação de rua desde o auge da crise política do impeachment, em 2016. Atendendo a uma convocatória das mulheres que rejeitam o candidato de extrema direita, Jair Bolsonaro, centenas de milhares saíram às ruas sob a consigna #EleNão. A ofensiva foi seguida por vários grupos sociais e um dos maiores pontos de concentração foi o Largo da Batata, em São Paulo. Os organizadores falam em 150.000 pessoas, mas a Polícia Militar não quis estimar público.


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Outra grande concentração aconteceu no centro do Rio de Janeiro. Na imagem, manifestantes, com suas crianças, na praça da Cinelândia. Um dos motes do movimento é o repúdio a frases de Bolsonaro misóginas e de incitação ao estupro (pelo qual ele é réu no Supremo Tribunal Federal), homofóbicas ou racistas (ele já foi condenado a nível cível, mas o STF rejeitou a denúncia por racismo).


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Crianças com a consigna #elenão no Rio.


Mulher em São Paulo exibe um cartaz #EleNão.


Mulheres levantam o punho em ato no Rio.


Mulheres no protesto em São Paulo.


Um grupo também marchou contra Bolsonaro, a comunidade LGBTQ. Bolsonaro já deu diversas declarações homofóbicas.




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