Não demore muito para perceber que é preciso pouco para ser feliz




Rebeca Bedone

Estamos nos habituando a uma nova era: aprendemos a pensar rápido, a responder de prontidão e produzir com intensidade. É quase necessário que cheguemos perto da perfeição para fazer parte do sistema. Tornamo-nos exímios competidores. Quem não seguir o fluxo, fica para trás. Precisamos ser melhores do que os outros para receber as bonificações do emprego e da vida. E somos incentivados o tempo todo a consumir bens e serviços para obter prazer e felicidade.

É admirável a coragem daqueles que se livraram de seus bens materiais e iniciaram uma peregrinação apenas para dentro de si mesmos. Eu ainda sou fraca demais para levar uma vida ascética. Gosto de tomar um bom vinho e passar as férias em um lugar bacana. Acredito que é justo vivermos bem e com conforto, já que trabalhamos com dedicação e honestidade. Acontece que, apesar de ser importante ter dinheiro, ele ainda não compra sentimentos.

Aprendi que chega uma hora em que consumir me consome, e acabo me perdendo dentro de minhas próprias necessidades e valores. Nos momentos em que esse estilo de vida moderno me deixa saturada, preciso fugir. Saio de mim e vou pro lugar mais longe que posso. Invento uma casa no campo, galinhas no quintal e árvores no jardim. Crianças correndo de pés descalços na terra queimada pelo sol, brincando com qualquer coisa que não sejam jogos eletrônicos. Mulheres usando vestidos simples e cheirando a flores frescas, e homens tranquilos tocando violão ou soprando gaita.

Em meio ao meu desvario, a vida real corre em paralelo, claro. São contas a pagar, compromissos a cumprir e gente para cuidar. Faço parte do sistema, isso é um fato. E o modo como faço parte desse sistema sou eu que escolho: não quero consumir o que não me preenche.

As fofocas da coluna social de revistas VIPs não me preenchem. Pessoas que se importam mais com a aparência do que com o conteúdo não me preenchem. Bolsa de marca que custa mais que o salário mensal de uma família de classe média também não me preenche.

Um fato recente é exemplo do que me preenche. A moça que trabalha comigo entrou na sala toda animada, falando que tinha acabado de chegar uma coisa muito legal para mim. Fiquei curiosa. Enquanto imaginava o que poderia ser, ela me entregou um envelope branco selado pelo correio, com remetente e destinatário escritos à mão. “Olha só que bonitinho. Há quanto tempo eu não via uma carta assim!” — ela exclamou.

É verdade. Hoje em dia é raridade recebermos uma carta escrita de próprio punho. Algo tão simples, que já foi tão presente na vida das pessoas, praticamente se extinguiu depois da era virtual. A pessoa que me escreveu, uma adolescente leitora das minhas crônicas, disse que “as coisas simples da vida são as melhores”.

Isso encheu meu coração de alegria. Apesar da rotina dos dias, do trânsito caótico e da poluição nos olhos, apesar das distâncias físicas e virtuais, do consumismo acelerado e da inversão de valores da nossa sociedade, ainda encontramos pessoas iguais a nós. Sim, ainda precisamos uns dos outros.

Se você sente a vida como eu, seja bem-vindo a essa sensação. Como uma amiga que mora do outro lado do oceano me disse: “Ainda não sei se sentir o mundo com mais intensidade nos faz mais felizes ou tristes, mas é algo que vem da alma, não dá para mudar…”

É que não podemos mais brecar nossos sentidos e desejos. Talvez muitos não compreenderão, pois essas pessoas não veem a vida com os olhos de sentir. Mas nós, seres imperfeitos, inquietos e questionadores, estamos aprendendo a deixar fluir o que vem de dentro: os segredos que não revelamos, os sonhos que desejamos e as histórias que guardamos. Porque somos o que sentimos em nós e nos outros, e essa é a maior riqueza que podemos levar conosco.


Postado em Bula



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