Viviane Basttistella
A internet deu voz aos imbecis e palco aos que sempre sonhavam com a fama.
Diz “a lenda” que quanto maior a exposição, menor a autoestima; o que me leva a concluir que cada K de curtidas recebidas esteja substituindo um ano de terapia.
Não! Não está substituindo, está mascarando; afinal é bem menos doloroso se esconder dentro de um personagem ou de um avatar virtual que se cria a ter que enfrentar a libertadora realidade.
Feliz mesmo é quem consegue viver no anonimato em tempos nos quais parece coisa de outro mundo viajar e não fazer sequer um check in.
O mundo anda fútil, raso, descartável. Tudo é sujeito a filtro, photoshop e á tecla excluir.
Não gostou, apaga.
Apaga-se cada capítulo da vida como se fosse um mero erro de digitação.
Não sou desse tempo.
Sou do tempo do anonimato, das estrelas de TV e da revista, de fotos tiradas com filme Kodak, flash e sem possibilidade alguma de correção. Fotos estas que eram guardadas em um pequeno álbum cuja capa era de papelão e no qual havia páginas plásticas para que se guardassem as fotos que seriam mostradas aos amigos, à família ou um dia encontradas por quem fosse limpar a gaveta anos depois.
Sou do tempo no qual éramos ninguém e que “aparecer” era coisa da coluna social aos domingos na imprensa escrita.
Saudade do tempo no qual a insignificância e o amadorismo eram permitidos.
Saudade do tempo no qual bonita mesmo era Marilyn Monroe que nunca fez sequer um botox.
Saudade de quando essa vitrine virtual não existia e as pessoas eram obrigadas a viver no seu tempo, espaço e nas suas relações reais porque tinham a possibilidade de abrir a caixa de e-mails apenas uma vez por semana.
Saudade de quando Matrix era apenas um filme, visto que hoje existem seres humanos vivendo “várias vidas” e fazendo scripts e enredos que não existem para uma platéia hipnotizada.
Uma postagem com a receita de um xarope natural para seu filho recebe cinco visualizações enquanto os tutoriais sobre maquiagem e unhas decoradas ultrapassam os três dígitos em segundos.
Estou velha e esta minha rabugice é porque vivi em um mundo no qual não se inventava desculpas para os filhos porque se tinha horário no cabeleireiro e na academia.
No meu tempo apenas na adolescência a gente sonhava com a calça da Zoomp porque depois amadurecíamos, enfrentávamos a vida adulta e aprendíamos que as etiquetas devem ficar do lado de dentro das roupas. Hoje somos cabides, vitrines, mancebos nos quais se penduram as roupas, bolsas e sapatos.
No meu tempo as mulheres de quarenta, cinqüenta e sessenta anos tinham rugas e coisas para contar, hoje elas disputam com menininhas de dez anos qual o melhor selfie e não conseguem sequer cozinhar sem que exibam os pratos.
Perdeu-se o fluxo natural e sagrado do desabrochar, florescer e amadurecer…
Não temos mais sequer para quem rezar. Até a fé se tornou modismo; uma hora apegada ao “refinamento intelectual” budista, noutrora na vibe pop cristã envolta no arquétipo do padre bonitão.
As mães não sentem sequer o cheiro das lancheiras de seus filhos, pois, preferem acompanhá-los pelo aplicativo “câmera escondida” talvez esperando alguma absolvição por suas ausentes presenças.
Às vezes sinto medo, noutras vezes tristeza, e ainda em outras sinto saudade, mas acima de tudo sinto inveja de quando eu também era liberta dos quase quinze Ks que curtem os meus pitacos sobre tudo isso.
Postado em O Segredo
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