Greenwald, Miranda e os cães em sua casa na Gávea
Paulo Nogueira
Se você é esperto, tem habilidades e possui os meios, você deve foder os poderosos.
A frase acima como que resume o jornalista americano Glenn Greenwald, 49 anos. Ele a pronunciou no curso de uma entrevista que concedeu à revista americana The Advocate, dedicada à comunidade gay.
Greenwald foi capa da revista, mas não foi apenas ele o objeto do texto. Também seu parceiro, o ativista brasileiro David Miranda, mereceu um amplo espaço da Advocate.
O casal acaba de fazer história no jornalismo brasileiro. Ambos foram decisivos em mostrar ao mundo que, sim, é um golpe. Não bastasse isso, expuseram para audiências internacionais a “mídia plutocrática” – expressão deles mesmos – como jamais ocorrera antes.
Dois artigos de Miranda foram particularmente devastadores para a Globo. Um foi publicado no Guardian, jornal de centro esquerda britânico no qual Greenwald foi até pouco tempo colunista. O outro saiu no Intercept, o site de Greenwald montado com dinheiro do bilionário fundador do E-bay.
O artigo do Guardian doeu tanto na Globo que João Roberto Marinho se sentiu na obrigação de responder numa réplica que não convenceu ninguém.
A virtude involuntária da reação de JRM foi provocar uma tréplica sensacional de Miranda. Fora de sites independentes como o DCM, nunca um retrato tão veraz e tão acachapante da Globo foi publicado – tanto em inglês quanto em português.
Tudo somado, Greenwald e Miranda prestaram um formidável serviço à democracia e às causas progressistas no Brasil.
Eles moram numa casa espaçosa na Gávea. Têm dez cachorros, a maior parte dos quais vira-latas recolhidos nas ruas do Rio.
Conheceram-se no Rio em 2005. Segundo Greenwald, foi amor à primeira vista.
Greenwald lia na praia no primeiro de dois meses de férias no Rio. Miranda jogava vôlei ali perto. Uma bola perdida foi dar em Greenwald e Miranda foi buscá-la. “Oi, meu nome é Glenn”, disse ele.
Nunca mais se largaram. O amor deve ter gritado alto porque nem Greenwald falava português e nem Miranda inglês.
Greenwald, advogado de formação, começava a se encaminhar para o jornalismo. Miranda tivera uma vida bem mais dura. Filho de mãe prostituta, ficou órfão cedo, e passou por mais de uma tia bêbada.
Pode-se imaginar o que Greenwald representou para Miranda, que tinha 20 anos quando eles se encontraram.
Greenwald faz questão de dizer também o que Miranda significou para ele. Foi, afirma, vital para sua travessia rumo ao jornalismo.
O casal optou pelo Brasil por causa dos direitos concedidos no país às uniões entre homossexuais.
Mas aparentemente não é mais o que os retém aqui, dados os avanços na legislação americana na questão de uniões entre gays.
“O Rio é o melhor lugar do mundo”, disse Greenwald à Advocate.
Não é exagero dizer que a decisão deles de ficar no Rio acabou sendo extremamente favorável ao Brasil.
Greenwald acabou mergulhando nas coisas do país. Pôde ver o quanto a mídia nacional é parcial. Numa entrevista que ele fez com Lula, num certo momento ele confessa estar “chocado” com a imprensa brasileira, sobretudo a Globo.
Diz nunca ter visto nada parecido nem nos Estados Unidos e nem no Reino Unido, lugares em que militou no jornalismo.
A Globo não poderia ter um inimigo pior. Respeitado mundialmente entre os jornalistas, detentor do prêmio Pulitzer, o mais importante da mídia, Greenwald é um exército de um homem só. Greenwald é referência internacional em jornalismo, e a Globo não é nada fora do Brasil. Golias, neste caso, não pode nada contra Davi.
A vida no Brasil deu a Greenwald elementos para desmascarar o golpe perante o mundo com petardos como uma entrevista que concedeu à CNN. Miranda daria também sua contribuição milionária à causa com seus textos no Guardian e no Intercept.
Mas, acima de tudo, o Brasil deu muito material para Greenwald seguir seu motto: usar sua inteligência, suas habilidades e seus meios para “foder os poderosos”, a começar pelos Marinhos e a Globo.
Postado no Diário do Centro do Mundo em 26/04/2016
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