Fernando Brito
Passei as primeiras horas desta manhã olhando as fotos de meus tempos de rapaz, há 40 anos, impulso talvez da busca da única bússola capaz de nos conduzir, com céu limpo, com nevoeiros ou com tempestades: a coerência.
Não espero ser entendido por todos, mas sei que serei, ao menos, por alguns que hoje têm a mesma idade.
Como disse um dos meus filhos, anos atrás, ao ver a camaradagem com amigos dos tempos de faculdade, surpreso: “é interessante ver que você já foi jovem, porque quando eu nasci, você já era velho”.
Hoje, engraçado, ele é tão “velho” quanto eu era quando ele nasceu.
O tempo tem estes caprichos universais: passa para todos.
E, como a democracia, em algo nos corrói, em algo nos afirma.
Temos mais cansaço, mais vícios, mais teimosias. Ficamos mais exigentes e também mais “reclamões”.
Mas também sabemos um pouco mais sobre os caminhos, sobre os personagens, sobre a história.
Não porque sejamos mais espertos, mais sabidos; apenas porque já os vimos.
Entendemos o que o Lupicínio Rodrigues quis dizer quando escreveu dos que “deixam o céu por ser escuro e vão ao inferno à procura de luz”.
Eu nunca fui petista, todos sabem, mas muitos dos meus amigos o são e muitos mais ainda eram e foram se afastando porque viram o tempo e a vida darem ao petismo os defeitos, que são um ímã que atrai e ao qual nem sempre se tem como resistir, exceto com esta força a que temos: as nossas ideias e os nossos valores.
Hoje, porém, a minha geração tem um desafio tão grande quanto tinha a daquele guri magrelo que corria à frente das passeatas.
É o de evitar que os jovens deste país tenham de, dentro em pouco, viver os medos que nós vivemos.
Dos dias em que a um “o que você acha”, respondia-se, numa lúgubre brincadeira: “eu não acho nada, porque o último que achou ainda não acharam”.
Em que se punia, prendia, batia e até matava pelo que as pessoas pensavam.
Não eram uns malucos que hoje agridem alguém por vestir uma camiseta vermelha, não.
Era o Estado, com a sua polícia, com os militares desviados de suas funções de defender o País para o indigno papel de beleguins de um regime e – sim, pessoal, porque já havia – suas excelências, juízes e promotores, todos muito empolados e respeitáveis, legitimando as cassações de direitos, as prisões, os encarceramentos e até as execuções, mal disfarçadas em “tentou fugir”, “resistiu à prisão” ou “enforcou-se na cela”, como Vladimir Herzog.
E os jornais diziam sim, que era assim, que eram os “terroristas”, que eram os “corruptos”, que eram os inimigos da família e da pátria.
Tempos que começaram, quem diria, com senhoras e senhores da classe média clamando por “moralidade” e dizendo que o Brasil “jamais seria vermelho”.
Tenho o direito de dar este pesadelo a meus filhos?
Não vou à rua, hoje, para defender o PT.
Nem Dilma, nem apenas defender o Lula, pelo quanto ele representou e representa para o povão deste país.
Muito menos me defender, que já vivi a vida e não tenho do que reclamar, porque ainda tenho o que dizer e gente que me escute, lendo, muito mais gente do que já poderia ter um dia sonhado.
Naqueles dias, fui às ruas por mim, não hoje.
Vou à rua defender meus filhos e os netos que um dia terei e já nem sei se os verei.
Vou à rua defender meu avô, que mal sabia escrever e formou a filha professora, porque houve um Getúlio e vou à rua defender minha mãe, que já se foi, porque ela temeu pelo filho que se metia em passeatas.
Vou à rua defender aquilo sem o que a vida não tem sentido: a liberdade de que cada um seja o que é e não como querem que seja.
Vou à rua porque meu filho estava enganado.
Porque um homem só envelhece quando lhe tremem não as mãos, mas a mente, e ele e deixa, sem vontade própria, que seus passos sejam guiados.
Vou à rua porque só se morre quando o coração não bate e o cérebro para.
Postado no Tijolaço em 18/03/2016
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