Interestelar é possivelmente um daqueles filmes especiais que irão amadurecer bastante após as revisões, e especialmente com o passar do tempo.
E justamente por isso, desde já, é preciso reforçar que é uma completa perda de tempo entrar em discussões sobre “qual sci-fi é o melhor”, assim como aconteceu no ano passado com o lançamento do badalado Gravidade, de Alfonso Cuáron.
Em Interestelar, o planeta Terra foi vítima de uma praga que atingiu a agricultura e causou fome e miséria ao redor do planeta. A sobrevivência se torna uma luta contra o relógio e não existe esperança do governo solucionar o problema. Prova disso é que as crianças são educadas para acreditarem que o homem nunca pisou na lua e que a NASA é uma fábrica de mentiras tão como Hollywood.
Cooper (McConaughey) é um ex-piloto que mora com seu sogro (John Lithgow) e seus dois filhos, mas tem pesadelos diários que o fazem ter certeza que ainda há algo no mundo para ele fazer. Um senso de urgência o que o cega para as coisas realmente importantes. Sua oportunidade surge num belo dia, e ele se descobre no meio de uma expedição para procurar um novo planeta para assegurar a sobrevivência da humanidade.
Originalmente, o plano era que Steven Spielberg dirigisse o longa-metragem. Tanto que existem muitos detalhes comuns para o universo “Spielbergiano”, como uma relação conflituosa entre pai-filhos (provavelmente, na versão original o conflito era todo entre pai e filho, e não com pai e filha), além do desejo de se encontrar e fazer algo pelo mundo.
No entanto, Jonathan Nolan e seu irmão reescreveram o projeto após a desistência do Midas da indústria e deram início a um projeto ambicioso sobre questões relacionadas à ciência e fé. Já que citei Gravidade (que realmente se apoia muito na reconquista da fé pela sua protagonista) em Interestelar existe uma motivação constante em desvendar os “fantasmas”, em encontrar as respostas.
Em diversas cenas, Nolan faz questão de nos situar sobre nossa verdadeira importância no universo: diante a grandeza da nossa galáxia, até mesmo uma enorme nave espacial se torna um mosquito. Somos insignificantes e predestinados a sofrer pelas consequências de nossos excessos ou apenas pela nossa incompetência diante as decisões da natureza, do destino, da vida.
Por mais de uma vez, a câmera apresenta uma nave sendo representada praticamente por um pontinho que parece como uma formiguinha passeando num Cebolitos avantajado (no caso, o planeta Saturno). Para todos que costumam dizer que o cinema de Nolan peca pela frieza de seus personagens, eis uma boa resposta: não há motivos para ser diferente. Assim como acontece em Contatos Imediatos de Terceiro Grau, o roteiro apresenta um pai que abandona seus filhos por imaginar que possui uma “missão” maior do que o amor e questões familiares.
A insignificância humana fica ainda mais explícita na melhor parte do filme. Após discutirem sobre as consequências de seguirem determinada rota para investigar um sinal vindo de um planeta aquático, a equipe de cientistas descobre o que é um tsunami de verdade.
Com um trabalho excepcional da equipe de som e efeitos visuais, essa sequência apresenta um enorme paradoxo: como pode um lugar tão tranquilo ser tão perigoso? A última cena nesse planeta responde a pergunta com o mesmo fato óbvio que o roteiro tenta nos dizer o tempo inteiro: estamos fadados à extinção.
Matthew McConaughey continua aproveitando o melhor momento de sua carreira. Depois do Oscar por Clube de Compras Dallas, uma participação genial em O Lobo de Wall Street, e protagonizar a série True Detective, o ator volta a trabalhar com ficção-científica depois de quase 20 anos do lançamento de Contato. Cooper é um personagem destinado a lidar com suas próprias insatisfações, ainda que isso signifique passar por cima do amor de seus filhos.
Para ele, o importante é se sentir útil. Poder fazer alguma coisa prática para o bem do mundo. McConaughey entende isso muito bem e dá intensidade para Coop nos momentos certos. É o bastante para dizer que temos mais uma atuação inesquecível de um dos atores mais requisitados dos últimos dois anos, e podemos até fazer pensamento positivo para possíveis indicações a prêmios.
Acompanhando o ator temos Anne Hathaway (numa espécie de sósia de Sandra Bullock em Gravidade, inclusive com um corte de cabelo semelhante), Michael Caine (que mesmo se mantendo na sua zona de conforto é capaz de nos emocionar e surpreender), Casey Affleck (apesar do curto tempo em cena, o seu personagem é um dos mais interessantes do filme. O seu olhar de rancor, de medo, de quem está simplesmente puto por ser incapaz de fazer algo pela sua família, é arrepiante), e Jessica Chastain (com leveza e naturalidade, ela é outra que se destaca positivamente nesse elenco. E nem parece se esforçar para isso).
Mais do que criar uma das principais obras cinematográficas de 2014, Christopher Nolan criou um daqueles filmes básicos para se conhecer um gênero.
Sem querer entrar na inevitável zona de comparações e cometer equívocos imperdoáveis classificando em ordem de importância, Interestelar garantiu o seu lugar num hall de obras como 2001, Solaris, Contato, Contatos Imediatos de Terceiro Grau, dentre outros clássicos indispensáveis da história da ficção-científica.
Ao invés de perdermos tempo erguendo bandeiras e/ou revelando nossos fetiches por determinado diretor, é preferível somar todas essas referências e observar cada uma delas com outro olhar para compreender melhor as homenagens prestadas em Interestelar.
Recomendo que todos vejam o filme com os olhos de quem está apenas prestes a embarcar numa jornada espacial, e que ao chegar em casa depois dessa viagem, você certamente terá muito o que refletir sobre sua própria vida, suas escolhas e sua família.
Postado no site Diário do Centro do Mundo em 17/11/2014
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