O senhor vai atirar em mim?



Coletivo artístico global e comunidades paquistanesas criam imagem de vítima de drone que, vista de satélite, expõe horror da guerra tecnológica


Cibelih Hespanhol



Christian Boltanski, artista francês, uma vez disse: “em uma guerra não se matam milhares de pessoas. Mata-se alguém que adora espaguete, outro que é gay, outro que tem uma namorada. Uma acumulação de pequenas memórias…”.



Na chamada “guerra ao terror”, no Paquistão, matam-se milhares de pessoas. Segundo a revista Rolling Stone, o Exército norte americano já possui até mesmo um apelido para uma de suas principais ferramentas no combate. Os drones, ataques feitos com aviões não tripulados, são chamados de “bug splat” – inseto esmagado.


A leviandade em se equiparar vidas humanas com insetos amassados pode ser um eficaz artifício para dissimular aos próprios militares a dimensão de seus atos. Para que se lembrem que não são insetos, mas milhares de pessoas; e ainda, que não são milhares de pessoas, mas “uma que adora espaguete, outra que é gay, outro que tem uma namorada…”, o coletivo de arte Inside Out Movement bolou uma ação. No projeto intitulado “Not a bug splat” colocaram um retrato gigante de uma criança estendido sobre o solo da região noroeste do país.





Agora, o operador dos ataques com drones não vê em sua tela um vasto território onde não é possível identificar uma acumulação de pequenas memórias, mas um retrato no qual uma menina de cabelos curtos sustenta um olhar difícil de corresponder. 

O retrato é grande o suficiente para ser visto por satélites e aparecer em sites de mapeamento. E o local onde está, na fronteira com o Afeganistão, é alvo majoritário dos ataques norte americanos – apontado como região onde se reúnem forças que colaboram com o talibã e organizações terroristas. [Cabe aqui uma pequena grande nota: um levantamento chamado “Out of sight, out of mind” confirmou que, apesar dos muitos ataques realizados desde 2004, apenas 1,5% dos casos possuíam verdadeira ligação terrorista]. 


Enquanto isso, o rosto do retrato também tem sua história. Apesar de não se saber o nome da menina que nos encara em seus grandes olhos, sabe-se que seus pais e irmãos também morreram nos ataques. 

Em toda a região, já foram mortas pelos bugs splats mais de 3 mil pessoas. Algumas adoravam espaguete, outras eram gays, outras tinham uma namorada.


As crianças se reúnem em torno do cartaz
As crianças se reúnem em torno do cartaz


Postado no site Outras Palavras em 09/04/2014


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