Fernando Brito
Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia, postou hoje um texto no seu facebook que está se espalhando pela internet.
Wilson não desenvolve teorias, apenas narra impressões sobre o que ocorre em sua cidade natal, Camacã, na zona cacaueira do sul da Bahia, onde ainda vive sua mãe.
Nas discussões sobre o Programa Mais Médicos, rogaram-lhe a “praga” de que alguém da sua família fosse atendido por um médico cubano.
“Gosta de médicos cubanos, tomara que um deles atenda a sua mãe".
Pois não é que a mãe de Wilson, lá em Camacã, foi atendida por um médico cubano que serve no Posto de Saúde da Família da pequena cidade?
Dr. Ariel Calderon Rodriguez, fui pesquisar e achar a foto de sua chegada a Camacã.
A história? Deixemos que Wilson a conte, sem mais conversa.
Os fatos bastam.
Quando, no ano passado, eu defendia a chegada de médicos cubanos, uma das ameaças mais comuns das pessoas que “debatiam em mim” (pq no Facebook é assim) consistiu em desejar que alguém da minha família fosse atendido por um deles. Faz parte do padrão de ataque conservador quando você não adere ao “pega! esfola!” ou não se junta à milícia unidimensional: “está com pena de bandido, leva pra casa”, “é contra antecipação da maioridade penal, quero ver quando estuprarem alguém seu”, “gosta de médico cubanos, tomara que um deles atenda a sua mãe”.
Pois não é que aconteceu o que gentilmente me agouraram acerca dos cubanos?
Camacã, 20 mil almas, tem orgulhosamente o seu “médico cubano”, um rapaz bonito e atencioso, segundo a minha mãe. Tem também e sempre teve outros médicos, brasileiros, alguns bonitos, alguns que eram atenciosos quando lá chegaram. Desde que me entendo por gente, todo médico que por lá desembarca tem por meta, além daquelas associadas ao seu mister, enriquecer. “Enricar”, no dialeto local. E isso acontece em 10 anos, em média.
Quase todos viraram fazendeiros de cacau e, basta ver como foram as últimas cinco eleições por lá, são políticos e empresários.
Nada contra enricar, embora eu seja incompetente nesta área, tudo contra o que acompanha esse processo do lado da medicina: desatenção, arrogância, desprezo pela vida e o sofrimento alheios.
As “histórias de médico”, em que se narram os tidos e havidos quando alguém precisou de serviços hospitalares ou atendimento de urgência, são histórias de horror, desrespeito e humilhação dos mais vulneráveis.
Pois a minha mãe adorou justamente por isso o cubano do Posto de Saúde. A cadeira para ela estava do lado da dele, houve escuta, falou-se de mãe distante e de saudades da família, tudo isso enquanto se examinava a paciente.
É uma questão de eixo: acostumamo-nos todos a um eixo vertical, em que o paciente está embaixo, bem embaixo, e o doutor lá em cima (“paciente tem que ter paciência” divertem-se os profissionais de saúde); mas há mais humanidade no eixo horizontal, em que dois seres humanos, um que padece e o outro que cuida, colocam-se no mesmo nível (paciente é quem sofre, diz a etimologia).
Nem sempre a interação médico-paciente foi desse jeito no Brasil, mas a experiência com os cubanos ao menos deu a velhinhas como minha mãe a percepção de como as coisas poderiam ser diferentes.
No mínimo, os cubanos do #MaisMédicos trouxeram mais civilidade, humanismo, compaixão ao atendimento clínico. No mínimo. Trouxeram mais competência? Não sei, mas com certeza a minha cidade não era um paraíso de competência médica que poderia declinar com a chegada de quem quer que fosse.
Mas, como me disse Dona Maria, pelo menos o médico está lá e te vê. E isso certamente não é pouco.
Postado no site Tijolaço em 26/02/2014
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