Sou contra cercar o Parque da Redenção











Juremir Machado da Silva

Li que há novo projeto para cercar o Parque da Redenção.

Sou contra.

Algo em mim se opõe instintivamente a essa iniciativa que me soa melodramaticamente como uma tentativa de colocar pássaros tristes numa gaiola. Já há grades demais na cidade.

O grande pensador Zygmunt Bauman diz que o mais recorrente conflito da humanidade é entre segurança e liberdade. Mais segurança, menos liberdade. Mais liberdade, menos segurança. Em Paris, eu frequentava o belo e cercado Jardim de Luxemburgo. Por que me oponho a que a Redenção seja cercada? Porque no Luxemburgo eu sempre me sinto como uma andorinha numa gaiola dourada.

Vivemos com grades nas portas dos nossos apartamentos. Saímos de casa para caminhar nos parques desejando sorver ar fresco, sentir cheiro de plantas, contemplar o voo dos passarinhos, ver crianças correndo e experimentar uma estranha e passageira sensação de segurança e de liberdade ao mesmo tempo. Um parque gradeado fere a minha mais primitiva noção de autonomia. Parece uma confissão de que a humanidade já nada mais espera de si mesma.

Outras perguntas me assaltam: por que a Redenção? Por que não o Parcão? Subitamente a verdade se ilumina diante dos meus olhos como um flash de antigas máquinas de fotografia: primeiro a Redenção, depois o Parcão, por fim todos os parques e praças. Mais tarde, talvez, roletas nos portões e seleção na entrada. Quem sabe, por que não?, espaços para gente VIP e para vipões.

Há, por trás dessas propostas, consciente ou inconscientemente, um desejo pérfido, ainda que bem-intencionado, de distinção, de separação, de higiene social, de criminalização do cotidiano e de criação de paraísos artificiais urbanos. Um parque cercado é um shopping center segregacionista ao ar livre. A Redenção já foi o espaço dos escravos e libertos em busca de um lugar para esquecer dos seus suplícios.

A sabedoria popular não lhe concede o nome oficial de Parque Farroupilha, homenagem em Porto Alegre – cidade que jamais aderiu aos separatistas – aos que traíram os negros em Porongos. Cercar a Redenção parece uma maneira simbólica ou imaginária de reinventar alguns grilhões.

Por toda parte cresce esse medo do outro. Esse outro que para muitos ainda é o mesmo: o pobre, o miserável, o não branco, o excluído, o periférico. Claro que pode ser apenas o bandido de qualquer cor ou origem social.

Será que, na mente dos adeptos das grades, é assim? Fico amargo. Sinto que avançamos, sem retorno, para a vida em cidades de segurança máxima e de liberdade mínima. Torno-me exagerado.

Prevejo, num futuro próximo, medidas contra a entrada nos parques de passarinhos sem registro e sem controle por GPS. Imagino parques nos quais só se terá acesso com carteira de sócio e recomendação especial.

E, por que não?, parques privatizados, administrados por empresas especializadas, acessíveis apenas aos bons cidadãos e com taxa de ingresso. Os parques, nas planícies de concreto, são as últimas reservas de natureza e liberdade. Perderemos a luta. Eles serão gradeados.

O monstro dos olhos turvos, o bom senso comum, sempre nos impõe a sua preferência pela segurança total.

E tem defensores midiáticos hediondos e histriônicos.


Postado no Blog Juremir Machado da Silva em 05/10/2013




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