Juremir Machado da Silva*
Admiro o mérito.
Mas posso ser contra.
Pode não haver mérito no mérito. É um dom.
O sujeito nasce com um talento. Nem sempre o aproveita. Pode desperdiçá-lo. Mas não pode inventá-lo. Ou tem ou não tem. Não há treinamento capaz de me fazer virar Neymar. O problema é que, como diz a canção, “no peito dos desafinados também bate um coração”.
O mérito é questão de sorte, de destino, de roleta natural. Uma sociedade justa premia o mérito. Uma sociedade ideal premia o mérito e protege os sem mérito. Todos nós.
Cheguei a uma conclusão absolutamente original: este mundo é uma esculhambação. Como pode estar certo um mundo em que as pessoas quando ficam velhas e mais próximas das doenças se aposentam e passar a ganhar menos? Deviam ter economizado para viver bem?
Quantos conseguem realmente fazer isso na vida?
O aposentado deveria receber um prêmio. Ganhar mais para terminar bem os seus dias. Nenhum país tem como sustentar tal sistema? Depende.
Ao contrário do que dizem os simplórios, não sou comunista nem jamais foi marxista. Estou mais próximo da social-democracia, da doutrina social cristã e do trabalhismo como doutrina social.
O mérito faz bem à sociedade. Aqueles que têm mérito, contudo, precisam converter esse mérito em benefício da sociedade, não apenas em privilégio próprio.
O que fazer com todos os que nascem sem talento especial? O sistema da competição total, o da lei do mais forte, apresenta uma solução simples: esquecê-los. Que se virem. Azar deles.
Na alta, o especulador, o “yuppie”, como era chamado em 1980, despreza toda legislação trabalhista. Na baixa, vive de seguro-desemprego e de proteção social.
Por que estou falando tudo isso? Sei lá. Porque estou ficando velho. Por que ainda não esqueci a peça no São Pedro com o filho limpando o velho que sujava o fraldão. Porque me horroriza esta sociedade organizada para o bem passageiro dos jovens, ricos e sem problemas de saúde.
Como pode um mundo no qual todos estão de passagem ser organizado como se todos fossem eternos? O discurso do mérito, que tem seu valor e legitimidade, é uma forma mais sofisticada e renovada da lei do mais forte.
Estou querendo favorecer o preguiçoso? Longe de mim. Preguiça se combate e até, vez ou outra, se vence. Meu problema é com a falta natural de talento.
Os sem talento devem chupar o osso? Somos todos coproprietários deste condomínio chamado universo.
O sujeito que enriquece com talento para explorar petróleo explora um manancial coletivo. Ah, meu negócio é o Eike Batista?
Nem tinha pensado nesse energúmeno. Por que essa violência, essa deselegância, essa raiva, essa grosseria? Sei lá. Foi só para impressionar. Acho.
Como pode uma maioria sem talento nem mérito se curvar diante de uma minoria que estabelece os critérios da sua meritocracia?
Agimos todos como se não fôssemos envelhecer. Gostamos de pensar que seremos a exceção. Afinal, temos os nossos mérito.
Eu só acredito em sociedades capazes de garantir a felicidade dos sem mérito. O contrário é muito fácil.
* Escritor, jornalista, historiador e professor universitário
Postado no Blog Juremir Machado da Silva em 30/09/2013
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