Ana Paula
Ana Paula solitariamente numa jaula,
no circo da magistratura da Rússia
enlutou meu coração desencantado,
feriu meu silêncio, agrediu minha culpa,
estar distante, confortavelmente abrigado,
acordando feliz com o canto dos sabiás;
enquanto Ana Paula, bichana meiga
e delicada, exposta à sandice bárbara
da repressão dos herdeiros da KGB.
Ana Paula não pode sentir meu hálito
com palavras estaiadas em seu gesto
simples de quem cuida nossa maloca
planetária, em busca do habite-se
em um ecossistema sustentável.
Ana Paula não pode ver meus olhos,
minhas lágrimas envergonhadas;
sofro apenas ameaças de punguistas,
pequenos golpes no troco das compras,
sequer o colapso de amor não correspondido,
ou o atropelamento de motorista desvalido.
Teme-se uma gripe no Rio Grande do Sul
pela mudança de temperatura, vento encanado,
enquanto Ana Paula, presa em uma jaula na Rússia,
esbofeteia com seu toque de pluma
o acomodamento classe média do mundo,
o consumo conivente dos eunucos da vida.
Queria abraçá-la com a ternura inversa
dos sádicos que postulam quebrá-la
no confinamento e no vexame criminoso.
Amo-a como o vento adora sua Pirata
da liberdade, a brisa a sua borboleta
de arco-íris, a lua como o orvalho
sereno adornado em sua pele lúdica,
o horizonte seu olhar de plenitude,
as flores as manhãs de primavera.
Desde meus sete palmos de segurança
projeto-me para a tela dos olhos fixos
de Ana Paula, sem ser uma imagem,
apenas a água da vida para umedecê-los
com o beijo de minha saliva solidária,
o encanto do meu coração experimentado,
o antídoto da cegueira pestilenta da terra.
Ana Paula está exposta em uma jaula
na Rússia, no Japão, no Congo, em Cuba,
em Passo Fundo e em Porto Alegre,
os verdugos ejaculam as babas das bestas.
Mas, misteriosamente, Ana Paula está só
e resiste em sua fortaleza delicada e humana,
vertical, como a flor que criou cerne
de madeira de lei encravada na pampa;
olhar das imensidões, enraizado em pétalas.
Estava só, abstratamente filosófico,
teórico e contemplativo no reduto da alma.
Ana Paula deu-me o sopro da vida cotidiana,
Reascendeu em mim a poética da existência
as energias de Hefesto e Ogum, deuses da forja,
para lançar-me contra as barras de ferro da jaula
que aprisionam a pirata enclausurada Ana Paula.
Tau Golin é jornalista e historiador.
Postado no site Sul21 em 13/10/2013
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