Os alertas e advertências sobre a destruição da biodiversidade se sucedem. A indiferença da maioria da sociedade e dos governos também. Um desejo mórbido de extinção?
Os filmes-catástrofe trazem uma situação recorrente: em algum momento, um cientista considerado meio maluco ou alguma outra pessoa (um policial, jornalista, bombeiro, etc) alerta para um perigo iminente.
O alerta inicial é ignorado e, muitas vezes, rechaçado por argumentos que, na maioria dos casos, tem uma base econômica. Os fatos se sucedem, as ameaças tornam-se realidade e aqueles que desprezaram o alerta inicial muitas vezes acabam vitimados na tela.
Na vida real, não são só os vilões irresponsáveis que morrem. As tragédias abatem-se democraticamente sobre todos. O cinema não inventou essa lógica do nada, mas a retirou da vida real, onde ela segue hegemônica.
Os crescentes e repetidos alertas sobre a destruição ambiental no planeta seguem sendo subjugados por argumentos de natureza econômica.
Todo mundo hoje, em tese, se preocupa com o meio ambiente, desde é claro, que ele não se torne um “entrave” para o desenvolvimento, como se viu, mais uma vez, no debate sobre as propostas de mudanças no Código Florestal brasileiro.
O policial está na beira da praia alertando o prefeito para que mantenha a interdição da mesma porque tem tubarão na área. O prefeito não quer nem saber da ideia, pois a interdição atingiria em cheio o turismo, principal fonte de renda da comunidade. O geólogo pede a evacuação imediata de uma cidade em função da ameaça de um vulcão. Mais uma vez, o turismo ergue-se reivindicando seu espaço. Uma jornalista denuncia o risco de acidente em uma usina nuclear. A bancada ruralista é universal e está sempre pronta a bloquear “alertas catastrofistas” e outras formas de entraves ao desenvolvimento. E assim vamos.
Nos últimos anos, repetem-se os alertas sobre a destruição da diversidade biológica no planeta Terra. Algumas das informações mais recentes de órgãos ligados às Nações Unidas e a centros de pesquisa apontam o seguinte quadro no planeta:
Apenas no século XX, graças à ação humana, sumiram do planeta metade das áreas pantanosas, 40% das florestas e 30% dos manguezais.
Desde a Rio 92, o mundo teve uma perda de biodiversidade de 12% e emitiu 40% mais gases poluentes. Somente entre os anos de 2000 e 2010, perdemos 13 milhões de hectares de florestas.
Cerca da metade das reservas de pescas mundiais estão esgotadas;
Um terço dos ecossistemas marítimos mais importantes foi destruído;
O lixo plástico segue matando a vida marinha e criando áreas de águas litorâneas quase sem oxigênio.
Há uma década, o mundo tinha um total de 11 mil espécies ameaçadas de extinção. A ONU estabeleceu então a meta de reduzir significativamente esse número. Não deu certo. Ele aumentou.
Em 2002, os países signatários do Convênio sobre a Diversidade Biológica acordaram que deveriam obter essa redução no ritmo da perda de biodiversidade em 2010, Ano Internacional da Diversidade Biológica.
A avaliação dessa meta foi coordenada pelo Centro de Monitoramento para a Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Ela baseou-se em uma série de indicadores, tais como a apropriação de recursos naturais, o número de espécies ameaçadas, a cobertura de áreas protegidas, a extensão de bosques tropicais e manguezais e o estado dos arrecifes de coral.
Os resultados foram conclusivos: a biodiversidade vem caindo nas últimas quatro décadas. Caindo significa: extinção de espécies, redução da extensão de bosques e manguezais e, deterioração de zonas com arrecifes de coral.
Além disso, a avaliação mostrou que ambientes naturais estão se fragmentando, com destruição de flora e fauna. A Mata Atlântica brasileira seria um exemplo disso. No passado, o segundo bosque mais extenso da América do Sul, hoje se conservam aproximadamente 10%, numa área fragmentada em parcelas diminutas.
A situação dos oceanos também é motivo de crescente preocupação.
A Convenção sobre a Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas lançou em 2012 o livro “Um oceano: muitos mundos de vida”. A obra destaca a importância dos oceanos, que cobrem cerca de 70% do planeta, e alguns dos principais problemas que os afetam hoje, como o aumento da acidez causado pela poluição, a destruição de reservas marinhas e a crescente pressão econômica pela exploração de seus recursos naturais. Ao todo, estão ameaçadas pelo menos 250 mil espécies, conforme o censo marinho realizado entre 2000 e 2010 por 2.700 cientistas de mais de 80 países.
Há um aparente paradoxo cercando essa profusão de alertas e advertências sobre o estado ambiental do mundo.
Nunca houve tanta informação disponível e tanta manifestação de preocupação com a degradação física do planeta, inclusive por parte das autoridades governamentais.
No entanto, os números da destruição vêm aumentando e a crise econômica em escala internacional pressiona os países a empurrar esse debate com a barriga para um futuro incerto.
Há vários níveis de ignorância e incompreensão neste debate.
A extinção de uma espécie de bromélia no interior do Rio Grande do Sul ou de uma espécie de besouro no leste da Tanzânia são tratadas quase que como excentricidades. Isoladamente até poderiam ser.
O “detalhe” é que, em se tratando de vida e ecossistemas, nunca são acontecimentos isolados, resultando de uma mesma lógica destrutiva hegemônica em escala planetária.
O cientista maluco, a jornalista sensacionalista e o policial paranoico seguem fazendo seus alertas e divulgando seus números.
O imaginário da humanidade, porém, como vem antecipando o cinema há algumas décadas, parece ter uma atração irresistível pela destruição e pela morte.
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