Adriana de Lorenzo
Nas últimas semanas, vem sendo exibida pela internet uma nova campanha publicitária da Pantene, uma famosa marca de produtos para cabelos femininos.
O vídeo em questão se inicia com o momento que uma modelo brasileira internacionalmente famosa faz uma revelação bombástica: cabelo envelhece.
A partir daí, a propaganda mostra várias mulheres chocadas e perturbadas com o próprio cabelo, explicando que todas as mulheres agora têm um novo motivo para se preocupar. O que fazer para evitar a humilhação de um cabelo com aparência envelhecida? A solução para esse suposto problema, segundo a marca, está na compra de seus produtos.
O fato de que a indústria de beleza é voltada para as mulheres não é uma descoberta recente. A feminista Naomi Wolf já havia escrito sobre o assunto em 1991, quando publicou “O Mito da Beleza”, livro onde explica como as duras cobranças sobre a aparência física feminina dificultam a vida das mulheres.
Embora as mulheres brancas tenham conquistado o direito de trabalhar fora e receber salário próprio, a exigência por uma aparência impecável torna sua renda – já inferior à masculina – ainda menos produtiva, uma vez que grande parte do dinheiro precisa ser utilizado com cosméticos e outros produtos similares.
Um recorte de raça torna a situação ainda mais complexa, pois a mulher negra precisa, antes de qualquer outra coisa, se embranquecer para obter aceitação social e conseguir empregos mais prestigiados.
Mas não é necessário ler a produção de Naomi Wolf para compreender as políticas feministas e analisar criticamente a nossa realidade. O padrão de beleza e sua indústria são uma das formas mais expressivas de repressão feminina.
Com fins lucrativos, as empresas de cosméticos e outros produtos relacionados criam problemas e plantam insegurança nas mulheres, de modo que possam oferecer em seus produtos a solução.
Por isso é tão evidente o quanto essa nova propaganda sobre o envelhecimento dos cabelos se encaixa nessa análise: o próprio vídeo mostra mulheres tomando conhecimento de um suposto novo defeito que precisa ser eliminado, questionando umas às outras como identificar tal problema e buscando solucioná-lo.
É irônica a forma como o próprio comercial retrata a paranoia das mulheres sobre algo que passava despercebido e que que até o momento jamais havia incomodado ninguém: “tá vendo como tá mais fino? é porque envelhece!”.
Se até ontem as mulheres gastavam grande parte de sua renda com cremes contra envelhecimento da pele, a partir de hoje bilhões de reais serão gastos com o mais novo xampu que evita o envelhecimento dos cabelos.
Outro ponto importante é que muito se reproduz a ideia de que a saúde feminina equivale a juventude, de modo que as mulheres simplesmente não podem envelhecer em paz.
Sua utilidade estética em uma sociedade machista, como musa, enfeite ou objeto, não é mais possível quando a mulher envelhece.
Nossa cultura provoca um grande pavor à possibilidade de envelhecer, mas com um viés extremamente sexista: quando em idade avançada, os homens não querem envelhecer porque temem se tornar sexualmente impotentes, ao passo que as mulheres enfrentam durante toda a vida uma corrida contra o tempo, tentando reverter cada ruga e cada fio de cabelo branco para se manter no padrão de beleza.
É fato que para nenhum dos gêneros a situação é de plena liberdade, mas há diferenças: a cobrança para que homens se enquadrem em um padrão de beleza está cada dia mais forte, mas essa exigência sempre foi e permanece mais cruel e impeditiva para o sexo feminino.
Não importa o posicionamento profissional, político ou intelectual de uma mulher: sua aparência sempre será o tema de maior discussão a seu respeito. De presidenta da república à professora do ensino fundamental, todas recebem sua parcela de xingamentos, ofensas e insultos relacionados aos seus corpos e sua aparência; todas as mulheres são categorizadas como sexualmente usáveis ou dispensáveis.
Além de incitar um gasto exorbitante com produtos de beleza, provocar insegurança nas mulheres em troca de lucro financeiro também causa danos profundos e frequentemente irreversíveis. Em um mundo que cobra o humanamente impossível do sexo feminino, a hostilização, falta de oportunidades e baixa autoestima tornam as vidas das mulheres extremamente desafiadoras.
A insegurança das mulheres diante da possibilidade de confrontar o padrão de beleza faz com que debates pertinentes ao assunto encontrem poucos espaços efetivos.
Não obstante, é necessário um esforço genuíno para alcançarmos algo em termos de avanços políticos feministas. O padrão de beleza é como uma corrente que ludibria e limita as mulheres, permitindo que avancem somente até certo ponto e sob condições rígidas.
Enquanto valores arbitrários e subjetivos como feminilidade e beleza, ou mesmo estados temporários como a juventude continuarem a ser exigidos das mulheres, não haverá libertação plena.
Postado no site Revista Fórum em 28/08/2013
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