Binha Vidal
Daniel Bergner em seu livro ‘What do women want? – Adventures in the science of female desire‘ relata várias pesquisas sobre a libido feminina. Achei muito interessante a abordagem do autor, que não se limitou a ler e escrever sobre artigos científicos como costumam fazer escritores de livros de divulgação científica para o público em geral.
Neste livro, ele relata conversas que teve com pesquisadores em visitas aos seus laboratórios e demonstra uma relação de amizade e afinidade com eles. Uma destas cientistas é Meredith Chivers, com quem o autor tem uma relação muito próxima. Além das conversas informais, Bergner utiliza seis artigos científicos da pesquisadora, de 2004 a 2012. Achei seus estudos reveladores e são eles que serão abordados neste texto.
Capa do livro ‘What women want? Adventures in the science of female desire’ de Daniel Bergner. Sem previsão de lançamento no Brasil.
Paralelamente às visitas aos laboratórios, Bergner entrevistou muitas mulheres. Seus relatos sinceros sobre sexualidade permeiam todo o livro. Cabe ressaltar que tanto o autor quanto a pesquisadora usaram as categorias “mulher” e “homem” como universais, não fazendo recortes específicos relativos à cisgeneridade/transgeneridade ou raça, por exemplo, apenas usando o recorte de orientação sexual. Também é interessante apontar o fato de que as pesquisas foram realizadas em cidades dos Estados Unidos e Canadá, o que não deixa de ser um recorte econômico e cultural.
Pletismógrafo. Esse é o nome — bem esquisito por sinal — de um instrumento que serve para medir alterações no volume de um órgão (ou até mesmo do corpo inteiro) resultantes de flutuações na quantidade de sangue (ou ar) que este contém.
Existe um tipo específico para medir o afluxo de sangue para o órgão sexual feminino: é o fotopletismógrafo vaginal. Nada mais é que um tubo acrílico, das dimensões de um absorvente interno, que emite luz e capta — por meio de um sensor conectado a um computador — a luz que foi refletida pela parede vaginal. A medida do fluxo sanguíneo é uma medida indireta da excitação sexual, pois é o aporte de sangue que causa a transudação, ou seja, a saída de líquido através das paredes do canal vaginal. A ideia é: quanto mais sangue, maior a lubrificação.
O objetivo de Chivers era buscar o que há de mais primitivo no desejo feminino, sempre tentando ver para além da cultura, das convenções sociais, das listas de pecados, de tudo que é aprendido. Ela queria desvendar um leque fundamental de “verdades” sexuais inerentes, aquilo que “está no coração da sexualidade feminina”. Considero o objetivo da pesquisadora bem ousado. Não é possível livrar-se de tudo o que nos cerca, dessa cultura em que nascemos e por meio da qual nos tornamos quem somos e chegar a uma “verdade” sobre a libido feminina. Porém, Chivers sabia das limitações e dificuldades de seu estudo. No entanto, havia uma luz no fim do túnel – quase literalmente.
Com a luz emitida pelo pletismógrafo seria possível observar diretamente o que excita as mulheres, o que faz com que o fluxo de sangue aumente na vagina, o que faz com que fique “molhada”. O pletismógrafo eliminaria a interferência das regiões repressoras do cérebro, descobriria o que excita as mulheres em um nível primitivo. Apesar das limitações a que toda pesquisa científica está sujeita, os resultados obtidos foram, a meu ver, extremamente interessantes.
Cada mulher que participou do estudo assistiu a uma sequência de vídeos pornográficos usando o pletismógrafo: um homem e uma mulher transando no mato, um homem nu andando na praia com o pênis sem ereção, duas mulheres transando em uma banheira, dois homens fazendo sexo oral, dois homens fazendo sexo anal, uma mulher se masturbando, um homem se masturbando, uma mulher nua se exercitando, um homem fazendo sexo oral em uma mulher, duas mulheres transando usando uma cinta com prótese peniana e, finalmente um vídeo de sexo entre dois bonobos, uma espécie de primata. Após cada clipe pornô de noventa segundos eram mostrados vídeos neutros, de paisagens, até que a leitura do pletismógrafo retornasse a níveis basais.
As mulheres testadas, tanto heterossexuais quanto lésbicas, excitaram-se com todos os vídeos, incluindo a cópula dos primatas. Os números de Chivers, que traçavam o que é tecnicamente chamado de amplitude do pulso vaginal, aumentavam, não importando quem estava na tela e independentemente do que estavam fazendo, uns com os outros ou a si próprio: “a luxúria era catalisada; o fluxo sanguíneo aumentava, capilares pulsavam indiscriminadamente.”
A força das pulsações tiveram algumas distinções, variações em grau, uma delas curiosa: os bonobos não excitaram tanto quando o pornô humano, com uma exceção. Entre todas as mulheres, hetero e lésbicas, o belo homem nu andando sozinho na praia sem ereção perdeu para os primatas. As lésbicas foram um pouco mais seletivas, a amplitude aumentava com vídeos onde figuravam mulheres. Como afirmou Bergner, olhar para os dados colhidos pelo pletismógrafo era confrontar-se com uma visão de “excitação anárquica”. Quando Chivers analisou graficamente seus resultados, a libido feminina parecia “onívora”.
O mesmo estudo foi feito com homens heterossexuais e homossexuais. Embora os homens não fossem o foco da pesquisa, foi feito o mesmo experimento como comparação. Utilizando um tipo de pletismógrafo apropriado, seus genitais responderam segundo certos padrões definidos. Homens hetero excitaram-se muito mais quando o pornô era estrelado por mulheres; gays excitaram-se quando homens protagonizavam as cenas, ficando o pletismógrafo praticamente zerado quando mulheres apareciam. Quanto aos primatas, os pênis dos homens, tanto gays quanto hetero, se comportavam da mesma forma do que quando expostos às paisagens naturais.
Enquanto assistiam aos clipes eróticos, as mulheres (e também os homens) não apenas utilizavam um plestismógrafo, mas também um teclado onde davam notas às suas próprias sensações de excitação sexual. Chivers tinha, portanto, dados fisiológicos e autodeclarados – objetivos e subjetivos. Com os homens o objetivo e o subjetivo estavam em sincronia. “Corpos e mentes contaram a mesma estória”, disse o autor. Com as mulheres os dados discordavam, não tinham nenhuma correspondência. O teclado contradisse o pletismógrafo.
As mentes negaram os corpos. As mulheres reportaram indiferença aos bonobos. Quando o filme era de mulheres se tocando ou duas mulheres se agarrando, as mulheres heterossexuais afirmaram estar muito menos excitadas do que suas vaginas declaravam. Durante os filmes de sexo masculino gay, as notas dadas pelas mulheres hetero tinham menos ainda a ver com “o que acontecia entre suas pernas.” As lésbicas também subestimaram sua excitação quando homens transavam ou se masturbavam nos filmes.
Como explicar o conflito entre o que as mulheres afirmaram e o que seus genitais disseram? Estariam as mulheres diminuindo conscientemente ou bloqueando inconscientemente o fato de que um vasto leque de coisas as atiça instantaneamente? Estariam as mulheres menos conectadas, seriam menos conhecedoras das sensações de seus corpos do que os homens? Seriam as mulheres ensinadas a manter uma distância psíquica do seu eu físico? Chivers levantou várias questões, mas não as respondeu — suas reservas de pesquisadora a impediram de declarar mais do que seus dados poderiam sustentar. Bergner concluiu que o desejo feminino — sua gama inerente e poder inato — é uma força subestimada e constrita, mesmo nos nossos dias, onde tudo parece tão sexualmente inundado.
Em outro experimento, Chivers colocou mulheres heterossexuais para ouvir áudios pornográficos. Com isso ela queria saber se estórias apenas faladas teriam um efeito diferente no fluxo sanguíneo, na mente, no abismo entre o pletismógrafo e o teclado. As situações apresentadas variaram, não apenas no sexo da figura sedutora, mas também se esta era uma pessoa desconhecida, alguém bem conhecido como um amigo ou íntimo como um amante. Mais uma vez, quando os dados foram analisados, houve uma grande discrepância: as mulheres afirmaram estar muito mais excitadas pelas cenas com homens do que pelas cenas com mulheres, mas o pletismógrafo as contradisse. A pesquisadora ficou feliz com a confirmação do seu estudo anterior com vídeos. Mas este estudo mostrou algo mais. Apesar de as mulheres terem afirmado que os desconhecidos foram os que as excitaram menos, sexo com estranhos trouxe uma “tempestade” de sangue para a vagina.
Segundo Bergner, esses dados não combinam com a premissa social de que a sexualidade da mulher floresce com a conexão emocional, com a intimidade estabelecida, com sentimentos de segurança. Pelo contrário, parece que o erotismo feminino funciona melhor com algo mais cru. Se, quando o assunto é sexo, os homens são considerados em sua natureza animal, por que não dizemos o mesmo das mulheres? Por que não consideramos que as mulheres também possuem fortes instintos sexuais?
Em um outro estudo, Chivers apresentou fotos de genitais masculinos e femininos para mulheres heterossexuais. Um pênis com uma tensa ereção e outro não ereto, uma vulva ocultada em parte e outra em um close de pernas abertas. Dessa vez o fluxo de sangue não foi indiscriminado. O sangue aportou muito mais quando a ereção tomou conta do monitor do que com qualquer das outras imagens. Parece um resultado contraditório, mas na verdade condiz com a falta de interesse das mulheres ao verem o vídeo erótico do belo homem nu com pênis flácido. E também condiz com o que disse uma das mulheres entrevistadas por Bergner, quando afirmou que não se vê como bissexual, pois prefere e gosta de namorar homens, apesar de sentir tesão por mulheres. O autor também concorda que essa pesquisa não invalida o que Chivers buscava, pelo contrário. Para ele o fato de um falo rígido isolado levar a medição do pletismógrafo às alturas sugere que o desejo feminino é, em seus alicerces, animal.
Referência
Bergner, Daniel. What do women want? Adventures in the science of female desire. 1ª edição. New York: HarperCollins Publishers, 2013.
Binha Vidal é uma amadora: yogini amadora, montanhista amadora, feminista amadora. Ama viajar, tanto para as belas paisagens que estão no mapa quanto para os recantos mais escondidos da sua mente.
Postado no blog Blogueiras Feministas em 31/07/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário