Snowden, Evo Morales e adeus às ilusões



Urariano Mota

Os últimos acontecimentos na política internacional trazem uma luz didática para todas as pessoas que acreditam na liberdade e democracia do capitalismo. O mundo do capital, mais conhecido em propaganda e livros didáticos como o sistema de “livre mercado”, recebeu nestes dias uma clareza de desmonte. 

Para situar os fatos nos últimos 30 dias, primeiro Edward Snowden, um ex-técnico da CIA, revelou para todo o planeta que o governo dos Estados Unidos espiona a vida íntima, pessoal de cidadãos não só no território norte-americano.

Se ficasse somente entre os governados por Obama, a espionagem já seria um escândalo, uma prova hard e real do imaginado pelo escritor George Orwell, quando profetizou a existência do Big Brother. 

Mas o revelado pelo funcionário da CIA foi mais longe. Diplomatas e governos da União Europeia são também espionados. E mais: todos somos rastreados nos telefones celulares e nas informações da internet que passem pelo Google, Apple e o Facebook. E-mails, fotos e outros arquivos dos usuários em todo o mundo são aprisionados.

O que é uma realização dos evangelhos: nada escapa aos olhos de Deus.

Depois veio o que nos atinge mais direto na carne. Evo Morales, soberano presidente da soberana Bolívia, depois de uma visita a Moscou, foi proibido de passar pelo espaço aéreo de Portugal, França, Espanha e Itália.

Isso porque havia a suspeita de que o avião presidencial transportasse também Edward Snowden. 

Notem até onde vai o adeus às ilusões de liberdade, democracia e respeito à soberania dos povos.

As nações europeias, elas próprias espionadas, obedeceram à ordem da segurança do governo de Obama.

Por hipótese ou suspeita, um chefe de Estado foi impedido de sobrevoar espaço aéreo de país amigo, sem qualquer declaração de guerra. O espaço era livre, pensava Evo Morales ao sair de Moscou.

Mas ficou provado que o céu não é do condor. É dos Estados Unidos.

Mas para o diretor de Políticas do Conselho das Américas – uma organização empresarial que produz análises e estudos sobre a América Latina –, Christopher Sabatini, a questão é bem mais simples. Olhem o que falou para a BBC Brasil: “Parceria é uma via de duas mãos. Para um país ser tratado com respeito, precisa respeitar as prerrogativas de segurança nacional de outro". 

Entendem? Para Christopher Lee, digo, Sabatini, o presidente Evo Morales foi desrespeitado porque não teria respeitado a segurança dos Estados Unidos. 

Notem que a frase “respeitar as prerrogativas de segurança nacional de outro" não tem o mesmo significado para todos os países do mundo. Pois o analista quer dizer: a segurança nacional do outro é sempre a segurança dos Estados Unidos. 

Ou seja, no caso da Bolívia, o presidente Evo Morales pôde sofrer riscos à própria vida, mas não estava no uso da segurança nacional. Com pouco combustível no avião, passou pelo sufoco de um bloqueio do espaço aéreo no céu e por constrangimentos que são insuportáveis até mesmo para passageiros comuns. Ele teve que pousar em Viena, onde ficou 14 horas, até que sua rota fosse enfim autorizada. E depois, reabasteceu o avião no Brasil, na bela cidade de Fortaleza. 

A nota oficial da presidenta Dilma foi a mais dura dos países sul-americanos:

“... O noticiado pretexto dessa atitude inaceitável - a suposta presença de Edward Snowden no avião do Presidente -, além de fantasiosa, é grave desrespeito ao Direito e às práticas internacionais e às normas civilizadas de convivência entre as nações. Acarretou, o que é mais grave, risco de vida para o dirigente boliviano e seus colaboradores.

Causa surpresa e espanto que a postura de certos governos europeus tenha sido adotada ao mesmo momento em que alguns desses mesmos governos denunciavam a espionagem de seus funcionários por parte dos Estados Unidos, chegando a afirmar que essas ações comprometiam um futuro acordo comercial entre este país e a União Europeia”.

De passagem, vale destacar que o tempo da reação de nossa presidenta contra a agressão a Evo Morales, a demora do governo brasileiro em responder, não foi o que desejam os críticos mais sectários à esquerda, que são ótimos governantes em palavras e desejos. 

Mas para o colunista importantes são a natureza da declaração e o peso que a economia mais poderosa da América Latina joga contra esse insulto a uma nação irmã. 

E do meu canto concluo: importa mais a retirada da máscara de um mundo livre sob os Estados Unidos. Nestes últimos 30 dias, ficou demonstrado que o céu não é do condor.

Postado no site Direto da Redação em 04/07/2013


Nenhum comentário:

Postar um comentário