Marco Antonio Araújo
Há pessoas que acham que a abertura dos arquivos da ditadura militar e a luta para esmiuçar os detalhes sobre militantes mortos e desaparecidos é um esforço inútil, coisa de esquerda rancorosa vingativa. Pois não é.
Um país sem memória está condenado a repetir os erros do passado. E muitos foram cometidos. Conhecer a própria história é a única forma de reconhecê-los.
Nesta semana tivemos uma prova disso, no chocante depoimento do ex-delegado da Polícia Civil Claudio Guerra. É aterrador.
Entre os muitos esclarecimentos prestados, em entrevista concedida no Espírito Santo a um vereador integrante da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, Guerra (que coincidência, né?) admitiu que foi o autor da explosão de uma bomba no jornal O Estado de S. Paulo, na década de 1980.
Também confirmou o que muita gente séria sempre denunciou: o governo militar, no período final do golpe de estado, desencadeou em todo o Brasil atentados com o objetivo de desmoralizar a esquerda no País, para "não permitir a abertura política”.
Uma das partes mais assustadoras da conversa é quando o ex-delegado afirma que “ficava clandestinamente à disposição do escritório do Sistema Nacional de Informações (SNI)” e realizava execuções a pedido do órgão.
Guerra se lembra de, em São Paulo, ter executado pelo menos três pessoas a pedido do governo. “Só vim saber o nome de pessoas que morreram quando fomos ver datas e locais que fiz a execução”. Um profissional.
Tortura e assassinatos eram praticados inclusive por expoentes da repressão, como o coronel Brilhante Ustra e o delegado Sérgio Paranhos Fleury. Este último, além de corrupto, segundo Guerra, tinha prazer em torturar pessoalmente os presos políticos. Covarde, metralhou os líderes comunistas no episódio que ficou conhecido como Chacina da Lapa, em 1976. "Não teve resistência, o Fleury metralhou. As armas que disseram que estavam lá foram ‘plantadas’, afirmo com toda a segurança”, contou.
Esse mar de sangue foi patrocinado com recursos vindos de bancos, como o Mercantil do Estado de São Paulo, e empresas, como a Ultragas e o jornal Folha de S. Paulo. Isso mesmo, um jornal.
Depois os barões da mídia ficam negando que colaboraram criminosamente com o terrorismo de Estado.
Otávio Frias, então dono da publicação, visitava o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), e "era amigo pessoal de Fleury”, afirmou o ex-delegado.
Que cena: um poderoso jornalista visitando o local onde militantes eram barbaramente espancados, mortos e depois cremados.
Sim, queimados, pois, friamente, os heróis da "revolução de 64" perceberam que enterrar suas vítimas “estava dando problema e, a partir de 1973 ou 1974 começaram a cremar".
São relatos tão assustadores que falam por si. Dispensam comentários.
E depois tem gente que acha, sentada em seus sofás, que isso é remoer o passado. Nesse caso, remoer é pouco. Basta lembrar das cinzas...
Postado no blog O Provocador em 25/04/2013
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