Vevila vai casar agora no meio do ano. Parabéns, Vevila!Só tem um probleminha: ela é negra e não alisa o cabelo. Pelo jeito, não há penteados possíveis para quem está fora do padrão de beleza. Ela me enviou este caso inacreditável sobre sua busca por um penteado pro dia de seu casamento. Sério mesmo, é ler para crer.
Como já vi outras vezes no seu blog, hoje quero falar sobre racismo e trazer um fato que aconteceu comigo recentemente, mas que já nasceu com cheiro de velho.
Eu vou me casar no meio do ano e estou preocupada com minha produção de noiva no esperado dia. Em fevereiro, fui até a banca de jornais e comprei uma revista de "Penteados para Noivas", da Editora Alto Astral. Tudo certo até aí, exceto pelo fato de eu ter me esquecido, momentaneamente, de uma coisa fundamental: eu sou negra e tenho o cabelo crespo.
Demorei muito tempo pra assumir meus cabelos, mas essa luta me rendeu frutos incríveis. Hoje eles são saudáveis, não estão mais sofrendo os efeitos das químicas super agressivas, e eu me sinto muito mais confiante, bonita, tranquila com a minha aparência. Em momento algum me considerei melhor ou mais esclarecida que outras mulheres que preferem os cabelos alisados ou relaxados; no entanto, entendo que cheguei ao esclarecimento de que isso precisa ser uma escolha consciente e não uma imposição.
Com este pensamento, achei um absurdo o posicionamento de alguns cabeleireiros que afirmaram ser necessário "fazer uma boa escova e depois aplicar produtos fixadores para só então fazer lindos cachos com babyliss" para que eu ficasse bonita no dia do meu casamento. Que afronta, meus cabelos já têm cachos! Qual o sentido disso? Eu amo meu cabelo como ele é! E então, fui atrás de alternativas e acabei comprando essa revista. Só que eu não contava com uma coisa: eu havia esquecido, por um instante, que essas publicações não são pra mim. É muito raro ver negras nas revistas femininas, e raríssimo ver cabelos crespos em publicações e editoriais de moda. Eu não sou representada por eles.
Fiquei pensando: será que eu sou a única mulher negra que vai se casar no Brasil esse ano? Poxa, então meu casamento deveria sair no jornal (e olha que eu nem estou considerando esdrúxulo o fato de estar casando com um homem branco -- talvez devesse)!
E não parou por aí. Havia incontáveis modelos loiras e ruivas, em fotos imensas, detalhadas. Muitos cabelos esvoaçantes, lisos ou alisados. Nas páginas dedicadas às crianças, não havia sequer uma negra. Crianças brancas são mais bonitas, talvez? Não, não são. Mas era nisso que essa revista queria me fazer acreditar.
Fiquei, por alguns instantes, pensando que estava neurótica. "Será que não estou exagerando?"; "Será que não é assim mesmo?"; "Será que eu preciso alisar meu cabelo?" Não, eu não estou neurótica. Eu estou ofendida e, sinceramente, tenho razão. Com este sentimento de revolta, raiva, tristeza, mandei uma reclamação (contando exatamente o que vi na revista e descrevi aqui) para o e-mail e o perfil da editora no Facebook. Uma semana depois, chegou na minha caixa esta resposta:
"Encaminhamos a sua reclamação para a equipe que produziu a revista, segue os esclarecimentos da sua reclamação.'Como a leitora não especificou a edição da revista, presumimos que seja a 06, que lançou em janeiro. Analisamos nosso conteúdo e não encontramos nada de errado. Pelo o que entendemos, o questionamento da leitora referiu-se à cor de pele das modelos e não aos penteados em si, que é o tema da revista. A nossa equipe, desde o momento de elaborar a revista até a escolha as fotos, certifica-se de que todos os tipos e estilos de cabelo estejam na edição, desde os lisos aos crespos, independente da cor da pele das modelos. Na revista, como você poderá ver, tem opções para fios lisos, ondulados, cacheados, crespos, curtos, médios e longos. Ou seja, nenhuma noiva corre o risco de ficar sem opção. Em relação às loiras e às ruivas, esses tons acabam aparecendo mais na revista para deixar o resultado final do penteado mais evidente para a leitora, uma vez que o cabelo escuro, depois que tira a foto, acaba perdendo um pouco os detalhes do penteado, ficando difícil a visualização. Além disso, os bancos de imagens que trabalhamos não oferecem muitas opções de modelos negras, principalmente com penteados de noivas. As que eles oferecem, não são bonitas.'
Atenciosamente, ..."
Foi exatamente esta a resposta da empresa. Sem mais nem menos, do jeito que chegou à minha caixa. NÃO SÃO BONITAS. NÃO ENCONTRAMOS NADA DE ERRADO. Eu fiquei tão chocada e tão enojada que perdi a fome. Sinceramente, uma resposta padrão mentirosa, daquelas em que a empresa promete que levará a reclamação em consideração para as próximas edições, seria mais fácil de engolir. Mas esta não foi. Sabe por quê?
Essa pessoa não vê nenhuma estranheza em colocar somente modelos loiras e ruivas numa revista sobre cabelos e, pra completar, não coloca negras e outras mulheres de cabelo crespo por achar que "não há mercado para elas" e que elas "não são bonitas" -- já que o negro corresponde ao pobre no nosso país. Como se pode esperar que eles vejam algo de errado numa publicação que foi criada e desenvolvida sobre esta crença tão arraigada? E o que mais dói e choca é a incapacidade de se perceber onde está o erro.
É preciso ter clareza de que isso não é só burrice, não é só superficialidade, não é só preconceito bobo e nem é só um sinal de que a moda está ultrapassada. Antes de ser fútil ou superficial, a moda é um instrumento eficaz de produção e reprodução de relações sociais, porque ela lida com um elemento muito forte do pensamento e das relações humanas: a estética, o belo. Quando um editorial de moda diz que a mulher negra não é bonita, que um cabelo crespo não é "fácil" ou esteticamente aceitável, este editorial está reproduzindo para o mundo um discurso que vai se fortalecendo e cimentando e se tornando combustível para que o racismo permaneça naturalizado na nossa sociedade.
Não tive estômago para responder, e nem acho que ganharei alguma coisa me mantendo nessa discussão com a empresa. Espero qualquer coisa de uma empresa que teve coragem de me dar uma resposta tão truculenta. O que pretendo com esta denúncia é trazer à tona o tema e causar desconforto, para que a gente seja capaz de perceber, conscientemente, como estas ideias são cimentadas no nosso meio, dia após dia. E o quanto não falar sobre elas é capaz de tornar isso uma coisa natural, e este é um perigo imenso.
Continuo procurando penteados para noivas negras, porque sou bonita e quero estar deslumbrante no dia do meu casamento. Não vejo nada de errado nisso. Sou uma noiva como as outras, e tenho os mesmos desejos que as outras -- negras, brancas, mestiças -- que estão neste caminho. Mas agora sei que não vai ser fácil entender e explicar aos outros os motivos pelos quais minha busca terá que acontecer em outros meios e em outros termos. Esse motivo é o grande tabu, aquele que não se pode nomear, aquilo cuja existência que negamos diariamente, o tema que mais nos causa desconforto: o RACISMO.
E ter que me encontrar fora do mainstream porque não sou aceita, sinceramente, é uma tristeza muito grande.
Enquanto isso, a revista francesa Numéro decidiu fazer uma homenagem à África... e, para tanto, escureceu uma modelo branca e loira. Definitivamente, a mídia tem que parar de ser racista e abrir espaço para todos os tipos de beleza. Que são muitos.
Postado no blog Escreva Lola Escreva em 07/03/2013
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