Eduardo Guimarães
O humor deveria servir para elevar o espírito do homem. Não sei se o humorismo é uma criação divina ou se alguém, algum dia, inventou essa verdadeira forma de arte. Seja quem for que o inventou, porém, não foi pensando em humilhar ou torturar ou em oferecer um instrumento de vingança aos pobres de espírito.
Alguns, como os “humoristas” do programa da TV Bandeirantes CQC, confundem ridicularizar pessoas com fazer humor. Ridicularia e humorismo, porém, não são a mesma coisa. Contudo, antes de abordar a tortura psicológica que eles vêm impondo a um ser humano, farei uma digressão inevitável.
Houve época em que os condenados por aquilo que diziam ser “justiça” – mas que, muitas vezes, não passava de instrumento de tortura usado por um grupo político, social, religioso ou étnico contra outro –, além de ir para o cárcere eram exibidos em praça pública em sessões de humilhação.
No momento em que escrevo, tenho na mente uma canção, “Geni e o Zepelim”, composta e cantada por Chico Buarque. Fez parte do musical Ópera do Malandro, do mesmo autor, lançado em 1978, e do álbum, de 1979, bem como do filme, de 1986 – todos com o mesmo nome.
A Ópera do Malandro conta, entre outras, a história de Geni, um travesti hostilizado na cidade.
O comandante de um dirigível (Zepelin) militar investe contra aquela cidade e decide destruí-la. Porém, apaixona-se por Geni. Sabendo disso, a mesma cidade que fustigava o travesti passa a lhe pedir que interceda por ela junto ao agressor.
Geni, então, usa de seu poder recém-adquirido sobre o militar e salva a cidade, que, na volta à rotina, volta a insultar e a humilhar quem a salvou.
A canção de Chico Buarque eclodiu durante a ditadura militar e teve tal relevância que seu refrão “Joga pedra na Geni” passou a ser usado contra pessoas ou ideias que, em determinadas circunstâncias políticas, viram alvo de execração pública.
A civilização, porém, acabou com as torturas (físicas ou morais) contra aqueles que infringem as leis. Em sociedades civilizadas, a pena de restrição de liberdade e de direitos vários se basta.
A tortura psicológica, a execração pública a que está sendo submetido um homem que entregou sua vida à causa da democracia e que por ela foi torturado fisicamente, portanto, não se coaduna com sociedades civilizadas, mas coaduna-se com o juízo farsesco que condenou José Genoino por “corrupção ativa”.
Só em um país em que pessoas são mandadas para a cadeia sem provas uma tortura mental como a do CQC pode ser aceita.
Pobre Genoino. É um homem sem posses. Tudo o que amealhou em termos de bens pessoais em sua vida parlamentar – atividade na qual a quase totalidade de seus pares no Congresso que o detratam, enriqueceram a olhos vistos – foi uma casa modesta num bairro modesto em São Paulo.
Condenado por “corrupção ativa”. Pobre Genoino. É de revirar o estômago.
Mas admiro a coragem dele. Poderia se recolher ao recesso do lar, à espera da execução da pena que poderá ter que cumprir porque, neste país de homens e mulheres avessos a se sacrificarem por uma causa, poucos entre os que enxergam a injustiça que está sendo cometida ao menos dirão publicamente que se recusam a aceita-la.
Sou dos que não aceitam e, mesmo sem ter como fazer alguma coisa, faço questão de dizer, em alto e bom som, que o que está sendo feito contra Genoino é uma ignominia.
E nem me refiro à condenação injusta e revoltante que lhe foi imposta pelo Supremo Tribunal Federal sob provas “tênues”. Refiro-me à tortura característica de regimes ditatoriais e medievais a que vem sendo submetido por seres amorais como os torturadores da Band.
Solidarizo-me com Genoino pelo linchamento moral que sofreu. Antes de tudo, ele é um ser humano que, mesmo condenado pela justiça, a civilização deveria impedir que fosse torturado, sendo a penalização exclusiva na forma da lei a única admissível. Força, portanto, companheiro. Você não está só.
PS: o CQC usou uma criança para humilhar Genoino. Que grande exemplo de cidadania esse menino recebeu. Aprendeu a tripudiar, a humilhar, a mentir e a ignorar os direitos e os sentimentos de um semelhante. Terá uma longa carreira na mídia que gerou a ditadura anterior, a qual não se limitou a torturar Genoino psicologicamente como fez o CQC.
Se tiver estômago, assista, abaixo, a uma legítima sessão de tortura. A uma punição extrajudicial que se choca com o próprio conceito de civilização. Do contrário, pule o vídeo e, logo abaixo, poderá ouvir a obra imorredoura de Chico Buarque: “Geni e o Zepelin”.
A tortura de Genoino pelo CQC
Geni e o Zepelin
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