Flavio Damiani
Mabel, uma loira de trinta e poucos anos, sentou-se ao lado do Eugênio no lotação. Os dois nunca se viram. Mas as coisas mudaram quando ela fez um movimento brusco e sacou o celular.
O pobre Geninho, como era chamado, levou um baita susto, e chegou a pensar que a mulher anunciaria um assalto e começando por ele que carregava uma sacola com café moído na hora na banca do Mercado Público e meia dúzia de cacetinhos recém saídos do forno da padaria Copacabana. – Vamos que ela não estivesse resistindo ao cheiro do café e do pão novo – imaginou.
Eugênio quase espichou o braço para entregar a sacola sem qualquer resistência, já que a pulsação ultrapassava todos os limites possíveis da normalidade. Só retomou os sentidos que já estavam quase adormecidos, para não dizer desmaiados, quando se convenceu de que não se tratava de nenhuma tentativa leviana de usurpação do seu pão de cada dia.
Respirou aliviado quando ouviu que a voz, da mulher ao lado, em tom alterado começou debulhar um rosário de lamentações.
- Jé! É Mabel, tudo bem guri?
Depois de um:
- Olha só!
…tranquilizador, os dois respiraram fundo.
- A Nanda me falou que viu o Derico passeando de cuia na mão com uma loira hoooorrorosa, no domingo em Ipanema.
O Jé deve ter feito um pedido de confirmação do outro lado.
- Claro, a Nanda não iria mentir prá mim, e tem mais, a mãe dele me ligou perguntando se o “riquinho” (alcunha), estava comigo pois não tinha dormido em casa.
Neste momento ela tentou cruzar as pernas, mas o espaço entre os bancos do lotação é tão apertado que desistiu.
- Liguei para ele que me atendeu com uma voz de sono e perguntei onde estava.
Jé deve ter dito do outro lado “mas você é uma atrevida, foi conferir de cima…”
- Claro, queria ter a confirmação ora, ainda mais que ele reclamou que tava com um febrão ao meu lado e eu nem tchuns pra ele, isso já faz um mês… ficou uma arara.
Jé deve ter perguntado o que ele respondeu para ela.
- Ele me disse que ligaria em seguida e não deu 20 minutos, já estava na casa da mãe dele e me ligou pra dizer que recém tinha acordado sem saber que a véia tinha me ligado. Deve ter largado a baranga em alguma esquina e correu para baixo da asinha da mamis. Nem quis papo com ele.
Neste momento o Jé foi taxativo e perguntou como ela sabia que se tratava de uma baranga o suposto novo caso do Caco.
- Alguém de leg branco e bota preta??? Vem me dizer que não é baranga… É o ó!!! ele assinou o atestado de bagaceira.
Jé concordou, pois o que veio a seguir, Geninho quase não resistiu a tentação de se esborrachar na gargalhada, mas ficou só no ensaio.
- Quero mais que ele se dane, não vou ficar esperando por ele deitada na bandeja com uma maçã na boca feito porco de ano novo!
Essa foi demais, os passageiros que esperavam por um desfecho antes de saltarem no próximo ponto, quase explodiram em gargalhadas. Eugênio apertou o saco do pão e do café entre as pernas tentando se segurar.
- Ele ainda tinha me encomendado um sabonete da natura…
Jé desistiu da tentativa de reconciliação quando ela revelou suas intenções de substituir o sabonete.
- Vou mandar é um tijolo de seis furos no meio dos cornos dele!…. emendou indignada.
Em seguida ela pediu ao motorista parar o lotação saltou na primeira esquina.
Nos dias que se seguiram Geninho andou bisbilhotando as páginas policiais dos jornais da repartição e sites sensacionalistas para se certificar se o Derico recebera a encomenda.
Não parava de lembrar da “posição na bandeja”… não dá prá esquecer, repetia o Geninho sacudindo a cabeça.
Postado no blog Sul21 em 24/02/2013
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