Caio Fernando Abreu
Maykon Souza
No Shopping, puxei o livro da mochila e percebi que estava sendo observado. Mal virei a primeira página e ela se aproximou. Devia ter uns 20 anos. Ficou se contorcendo, tentando ler o nome que estava na capa. Conseguiu:
– Ai, que legal...
– O quê?
– Ele tem livro?
– Como assim?
– O Caio tem livro...
– Que Caio?
– Esse que você tá lendo...
– Tem... vários... um dos maiores escritores do Brasil...
Ela não acreditou muito.
– Caramba... achei que ele era só o cara do Face.
– Cara do...?
– Face... Facebook... internet... cê tem, né?!
– Tenho, tenho...
– Ele também.
– Quem?
– O Caio... tem um perfil todo fofo... Ele escreve cada coisa bonita.
– O Caio?
– Claro, pô. Não é dele que a gente está falando?!
– É que é impossível ele ter perfil.
– Por quê?
– Ele morreu...
– Impossível ele ter morrido!
Chegamos num impasse. Ela virou para o outro lado, como que digerindo a informação. Depois de um tempo, indignada:
– E quem atualiza o perfil dele, então?
– Ele é que não é.
– Cê ta brincando... não deve ser o mesmo... morreu de quê?
– Aids.
– Aids??? Então, ele era velhão?
– Velhão?
– É, ué! Aids não é aquele negócio que dava nos anos 80?
Novamente, um impasse. Dessa vez, eu é que virei para o outro lado para digerir a informação.
– Lê um pedaço aí pra mim.
– Qualquer um?
– É.
– Lá vai: “Aquele negrão, sabe aquele negrão de cabelo rastafári que fica sempre ali no Quênia’s Bar? Aquele que vende fumo, diz que tem vinte e cinco centímetros, já pensou? Isso não é uma jeba, é uma jiboia. Até vinte aguento numa boa, até o cabo. Vinte e cinco não sei, tenho até medo. Pode rasgar a gente por dentro, sei lá”*.
– Ele escreveu isso?
– Sim.
– O Caio?
– Claro, pô. Não é dele que a gente está falando?!
Ela se levantou, indignada:
– Ele escreve coisas fofas, não isso aí. Ele fala de amor, esperança, sorriso. Coisas pra valorizar a gente. Ele tem frases que se encaixam em todos os momentos da vida da gente.
– Isso é Minutos de Sabedoria, não Caio Fernando Abreu.
– Minutos de quê?
Reparei que outra garota tinha se aproximado. Resolveu entrar na conversa:
– Que foi?
– O cara aí tá dizendo que conhece o Caio.
– Que Caio?
– O do Face!
– Ah, tá... prefiro a Clarissa...
– Que Clarissa?
– Ah, sei lá. Acho que é Espectro.
– Não é Clarissa, é Clarice, sua burra!
Começaram a tirar sarro uma da outra e se foram sem dar tchau.
Da próxima vez que estiver em público, puxo um Dostoiévski. Duvido que ele também tenha perfil fofo no Face.
Maykon Souza é autor do blog Amenidades Crônicas.
Postado no Blog Brasil de Fato em 01/03/2012
Nota
Este blog está fazendo 1 ano desde a sua criação. Para comemorar estou republicando algumas postagens antigas entre as 942 postagens já publicadas.
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