O meu programa de índio
Programa de índio é fazer parte da natureza
Maraísa de Melo Ribeiro é meu nome com todas as letras. Nasci em Campinas (SP), uma cidade que já se desenhava grande. Mas a família mudou, quando ainda menina e, felizmente, cresci com o pé na terra. Não brincava de bonecas, mas também não jogava bola de gude. Gostava mesmo de chupar jabuticaba no pé, tomar chuva, andar a cavalo… E assim foi na vizinha Mogi Mirim, até depois da minha maioridade. As férias de julho, sempre no sítio da minha bisavó, no Triângulo Mineiro, também me ajudaram a cultivar o gosto pela vida rural.
E, por quê? Carrego no meu sangue, um tanto dos colonizadores portugueses, um outro tanto da negritude africana e parte da brasilidade indígena. Dos portugueses herdei a vontade de me aventurar em descobertas, representada pela figura de minha mãe, professora de História e Geografia, que repetia sempre uma frase como oração: “existem duas formas de aprender, lendo ou viajando”. Zelândia, o nome dela e que também lembra um país, escolheu as duas coisas. Mas ela morreu antes que eu completasse 16 anos, antes de defender a sua tese de mestrado e de realizar o sonho de conhecer de perto a Grécia e o Egito.
Desde o meu primeiro emprego, meu primeiro salário, passei a investir em viagens. Levava os meus olhos para todo lado, como janelas abertas. “Quem sabe ela (minha mãe) não dava uma espiadinha?”
A paixão pela minha gente, minha cultura e raízes penso que herdei dos meus ascendentes negros, representados hoje pela minha família. E, por fim, o olhar atento. O amor e o respeito pelas minhas escolhas correm pelas minhas veias graças à herança indígena. São as lembranças do meu pai, que pulsam e me impulsionam. Ele, um advogado, que me despertava admiração desde menina, quando defendia suas causas com devoção, nos tempos de Mogi Guaçu (SP).
Hoje, não tenho dúvidas que esta mistura tão brasileira me levou naturalmente ao caminho que, agora, teimo em trilhar. Jornalista, formada na Fundação Cásper Líbero, em 1983, descobri ainda em São Paulo, uma redação de um jornal recém-inaugurado, o “Indicador Rural”, e na metrópole fui a campo. Jovem, sem marido e filhos, me colocaram na estrada. Exposições, leilões, feiras, congressos de Norte a Sul do País.
Casei e mudei para Marília, interior de São Paulo. Foi na então Rede Globo Oeste Paulista, com sede em Bauru, que comecei minha trajetória na TV, aos 30 anos. De lá, uma passagem de pouco mais de um ano em Ribeirão Preto até retornar a Campinas. A decisão de voltar para a terra natal foi por entender que era tempo de novamente viver mais perto da família (pai e irmãos), após o meu divórcio. Mas não imaginava que a mudança resgataria não só o convívio com velhos amigos e a família, mas também minha essência.
Como um rio, minha vida seguiu o curso natural e agora desejo que continue seu destino. A passagem da repórter cobrindo assuntos rotineiros de uma região metropolitana, para a repórter pescadora e jornalista ambiental foi um presente, resultado das minhas escolhas e da minha herança que devo valorizar.
Embarco em mais um “Programa de índio”. Ao contrário do sentido popular da frase, a única “barca furada” do índio foi ter caído na conversa do “branco”. Gerações viveram na simplicidade da sobrevivência, valorizando “as coisas, que não são coisas”. Tudo bem que agora eles não são como os pais deles, depois de forçados a “ganhar” outros valores. Mas tem índio que, como eu, não quer repetir os erros dos antepassados e luta neste momento para resgatar o verdadeiro “Programa de Índio”.
Também eu, Peixe Solto nesse mundo virtual e sem porteiras, quero ter a oportunidade de trabalhar por uma causa. Devolver parte do muito que aprendi nas minhas viagens e no convívio com a nossa gente. Livre de amarras e agora presa somente por laços de amor e amizade, quero contribuir para que mais e mais pessoas descubram na vida sustentável a sua sobrevivência.
Peixe Solto: Celina Mello, minha tia e mãe por adoção, fez uma pergunta (comentário) em uma das postagens na minha página pessoal do Facebook:
-Mara, qual é o segredo para a interação com a natureza?
-Não tem segredo tia, basta entender que a gente faz parte, somos uma pequena parte dela.
Postado no blog Peixe Solto em 18/09/2012
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