Já faz tempo que a grande mídia se esmerou em transformar ações positivas em manchetes e em matérias negativas. Quando o governo anuncia que mais de 50% das obras do PAC estão concluídas ou em fase de conclusão, as manchetes trazem, em geral, que quase 50% das obras do PAC estão em atraso ou não saíram do papel. Quando o governo anuncia a queda dos juros, uma parte continua proclamando que, apesar da queda, os juros se mantêm altos, enquanto outra parte alerta que isso pode causar corrida ao consumo, à inadimplência e à inflação.
Nas últimas semanas, isso que se poderia chamar de pauta negativa ganhou contornos ainda mais sofisticados. A grande mídia, que durante o domínio neoliberal foi incapaz de enxergar a quebradeira da indústria nacional e a destruição ambiental causada pelo agronegócio, ou de sentir o mau cheiro da pobreza e da miséria em expansão, agora decidiu fazer coberturas e reportagens extensas sobre a situação caótica do atendimento médico público, o caos ambiental, o descalabro do saneamento, as obras paradas, a lentidão do PAC, os salários inferiores das mulheres, o crescimento da violência, e vai por aí afora.
Em parte, todos esses problemas ainda existem, são verdadeiros. Mas são decorrência do descalabro histórico herdado dos sucessivos governos das classes dominantes, com destaque especial para os períodos da ditadura militar e do predomínio neoliberal, descalabro que não se supera em dez anos. E a grande mídia não se importa em fazer tal retrospecto. A mensagem sibilina é clara: os governos petistas foram incapazes de resolver tais problemas. Por coincidência – só pode ser por coincidência –, a propaganda partidária tucana se empenha em denunciar os mesmos problemas, ao mesmo tempo em que anuncia seu retorno reciclado para resolver tudo por meio de uma nova abordagem.
Se na propaganda ideológica e política a grande mídia e o tucanato parecem – parecem! – articulados nessa ofensiva que esconde as responsabilidades históricas, na propaganda econômica firma-se cada vez mais o bordão de que cresce a dicotomia entre os reclamos do país por mais investimentos e mais liberdade para as empresas, em contraposição à tendência governamental de elevação do consumo e de intervencionismo estatal.
Isso mostra que a oposição conservadora se deu conta de que as reformas tópicas, empreendidas pelos governos Lula e Dilma, já não conseguem manter um ritmo firme de progresso em virtude de amarras estruturais da sociedade brasileira. Embora aquelas reformas tenham melhorado, e muito, a situação do país - superando alguns dos piores descalabros herdados do demotucanato, entre os quais se pode incluir a hipocrisia com que PFL e PSDB arrotavam sua luta contra a corrupção, tendo o senador Demóstenes Torres como uma das principais vestais, elas estão dando sinais de cansaço.
A extrema-esquerda deve estar se regozijando, já que sempre defendeu que as condições estruturais representavam uma muralha às reformas empreendidas pelo governo Lula e continuadas pelo governo Dilma, e que somente uma revolução poderia transformar essas estruturas. Nós, por nossa parte, podemos até achar que sem uma revolução não será possível resolver os principais problemas da sociedade brasileira e elevar o conjunto do povo brasileiro a uma situação de alto padrão material e cultural. O problema, no caso, reside em que somente o povo pode realizar tal revolução e que, no momento, ele ainda acha possível continuar no caminho das reformas progressivas daquelas amarras.
Em grande parte, em sua sabedoria, o povão tem razão. Ainda é possível sair da armadilha do perigoso binômio elevação do consumo + intervenção estatal, acrescentando a ele o crescimento vigoroso dos investimentos estatais e privados, exigindo da burguesia que coloque a mão no bolso onde aplica seu capital rentista e invista na produção industrial, e que aceite a concorrência capitalista como parte de sua natureza, e não só como chavão propagandista. É lógico que isso vai exigir mais rapidez do governo em definir prioridades no adensamento das cadeias produtivas e nas áreas que realmente devem ser estimuladas.
Por exemplo, as obras em infra-estrutura são uma prioridade consensual. No entanto, isso é genérico. Será necessário determinar que os transportes ferroviário e marítimo mereçam mais atenção do que o transporte rodoviário, embora isso mexa com os interesses dos setores econômicos envolvidos com este tipo de transporte. Além disso, continuaremos nas generalidades se, no caso da construção ferroviária e metroviária, não tivermos políticas claras para ter um parque siderúrgico capaz de produzir os novos tipos de trilhos para ferrovias de alta densidade de tráfego e alta velocidade, e para a instalação de novas plantas produtoras de equipamentos e componentes para tração elétrica e diesel-elétrica, como rodeiros, truques, vagões, carros de passageiros, tandem de locomotivas, grupos geradores, motores elétricos, compressores etc. etc.
O mesmo ocorre nas demais áreas da infra-estrutura. No caso da geração e transmissão de energia elétrica, em que continua sendo indispensável a construção de hidrelétricas, associada à construção de parques eólicos e à ampliação de parques solares e fotovoltaicos, é fundamental cuidar da instalação de plantas de fabricação de turbinas, grupos geradores, transformadores, cabos e outros equipamentos indispensáveis à geração e à transmissão. Para muitos, continua parecendo um mistério insondável que, com empresas estatais fortes e de longa experiência no setor, elas não sejam utilizadas para associar-se a empresas fabricantes de equipamentos e máquinas para o setor, nacionais e estrangeiras, acelerando o adensamento das cadeias produtivas dessa área estratégica.
Em outras palavras, os setores de comunicação política do governo e dos partidos de sua base terão que intensificar a denúncia da hipocrisia tucana, inclusive fazendo algo que já deveria ter sido feito, como o levantamento minucioso não só das negociatas promovidas pela privatização das estatais e outras empresas públicas, mas principalmente da quebradeira industrial e do sucateamento da infra-estrutura, realizados durante o período neoliberal. Mas nunca perdendo de vista que o campo onde a batalha decisiva será travada será o da economia política, em que o crescimento dos investimentos e da industrialização, a constante elevação do consumo e a presença reguladora do Estado serão os principais instrumentos, ou armas, capazes de mobilizar multidões se os conservadores e os reacionários pretenderem mudar os rumos que o país adotou a partir de 2003.
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