Pô, ema! A triste vitória da gente que já não é gente...






(*) Cristiano Antunes Souza
Neste 22 de maio, em que celebramos o Dia Internacional da Biodiversidade, bebo da fonte de dois dos meus mais diletos mestres de poesia para falar sobre o tema. Porque mais do que reconhecer todas as formas de vida existentes como legítimas possuidoras da Terra, tal como nós, e a importância – óbvia – delas todas para nossa própria sobrevivência, as mensagens destes artistas me auxiliam a procurar viver sob uma outra perspectiva, para mais além da técnica e para mais perto do sonho de uma sociedade melhor.
Manoel de Barros, pantaneiro transmutador de palavras, sábio da língua dos musgos e dos passarinhos e douto em apreciação de insignificâncias, cedo me fez voltar a visada para respeitar o que é pouco, cultivar o que é menos, aceitar o que é diferente. Tudo o que é capaz de engravidar a manhã ou colocar arco-íris no olho das máquinas.
Dom Jaime Caetano Braun, payador missioneiro, xucro filósofo das paisagens vivas da pátria grande, que dilatou com seus versos-denúncias uma sabedoria nativa imorredoura, e que nos deixou sobre os encantos do início da primavera este clamor:
(…) E o homem, defronte a isso, até parece impossível… vai se tornando insensível, por força de algum feitiço… é um criminoso, um omisso, da forma mais inconsciente, gente, que já não é gente, buscando outra trajetória, depois da triste vitória, de matar o meio ambiente (…)
Pois agora, testemunhas desta crise civilizatória sem precedentes de nossa humanidade, onde o respeito à diferença e à diversidade de vidas se faz mais do que urgente, reparto essas linhas (que não são inéditas mas muito propícias), inspiradas na leitura destes dois gênios do nosso Brasil. E desejo que recobremos forças e esperanças para lutar por um outro mundo, ainda que pareça impossível, mesmo que pareça tão estranho quanto falar com animais.
Pô, ema!
- Pô, ema!
Viste a perdiz?
O bacurau, o quero-quero, a buraqueira…
Viste a tachã, a saíra, o biguá?
O tucano, a garça, a saracura…
Viste cisnes, gaviões, carcará?

- Pô, ema!
em tuas andanças,
que outro bicho de pena
tens visto nos campos pampeiros?
seriema, jacú, jaçanã?
quem tens visto nos banhadões,
no meio das corticeiras….
ratão, capivara, gambá?
e n’alguma beira de açude,
trançado n’os aguapé:
lontra, mão-pelada, jacaré?
- Pô, ema!
o que tu me conta:
tatú? veado? tamanduá?
perdidos nos baita potreiros
onde verdeja o alecrim…
o que tu acha, campeira!
dos outros bichos que há…
de pêlo, de couro ou de cheiro,
tens visto, por aí, assim?
- Pô, ema!
se pudesses ver nos meus rios…
no meio das muitas marrecas,
bem na época do dourado,
surgir um pato-bagual!
- Pô, Ema, se tu visses…
de dentro destes matagais,
gatos, sorros, bugios!
serpentes, rãs, pererecas…
urutau, bicho-pau, arlequim!
- Pô, ema!
será que o homem não vê?
em meio a duas orquídeas,
no alto do figueirão,
escondido na barba-de-pau!
um filhote de forneira…
clamando por mais compreensão!
Poema de “pô, ema’s!”
viventes da nossa pampa,
ocupando tantos lugares,
diversos e todos parentes…
quem sabe não fica a semente
ou ovo – destes teus versos,
p’ra educar toda gente!

Recado da natureza…
rima livre, singeleza…
quem sabe não fica a semente?
(*) Biólogo
Postado no blog RS Urgente em 22/05/2012

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