O bom moço


É notório que o modelo familiar se altera de acordo com variações sociais e pela cultura inserida. Estas alterações ocorrem, em muitos casos, pelas conquistas das mulheres em nossa sociedade. Sendo que estas estão se tornando, ao passar dos anos, cada vez mais independentes e reivindicadoras de igualdade entre os gêneros.
Levando em consideração a sexualidade da mulher, apesar do muito machismo ainda existente, os pais já aceitam que suas filhas adolescentes tenham vida sexual. Mas esta permissão está, geralmente, enquadrada em um parâmetro: os pais preferem que suas filhas tenham um relacionamento sério com um rapaz que considerem de “boa índole”. E o problema está no que é considerada uma pessoa de boa índole. Para muitos pais, as simples condições para que o rapaz tenha esta característica é que seja trabalhador e dedicado à sua namorada.
Apesar das mudanças no padrão familiar, o casamento ainda é um projeto ansiado pelos pais e pelos próprios adolescentes. Os pais desejam que seus filhos se casem e construam sua própria família, sendo este um projeto de longo prazo. Porém, o problema maior realmente está nas filhas adolescentes. Sabendo desta preocupação dos pais, muitos “rapazes bem intencionados” vêm utilizando-se de um bom papo e atitudes bem pensadas para conquistar quem mais interessa: a família da pretendente.
Eis então que surge o Bom Moço, que prepara seu arsenal de como fazer a propaganda deste impecável pretendente que está interessado na adolescente.
A estratégia segue estes tópicos:
1. A ideia é se apresentar aos pais da pretendente com falas que eles querem ouvir. Primeiramente ele argumenta que pretende um compromisso sério com a adolescente, e apresenta-se como um homem de muitas qualidades.
Pronto, assim o indivíduo termina sua apresentação. Ele é trabalhador e deseja compromisso sério, com estas qualidades, os pais acreditam que este é o homem certo para sua filha.
2. A aliança de compromisso: Logicamente, nada pode ficar na conversa. Para demonstrar sua seriedade, o Bom Moço oferece logo um “presente” à sua namorada, uma aliança de compromisso. Como muitas adolescentes ainda sonham, a menina sente-se muito feliz com a novidade, e conta aos pais, que têm a mesma reação.
3. Começam os ciúmes. Com pouco tempo de relacionamento, o Bom Moço já começa com suas crises exageradas de ciúmes. Proibição de sair com amigos, verificação no celular, visitas nos perfis da namorada nas redes sociais… Tudo isto para demonstrar que, como homem apaixonado, tem medo de perder sua “razão de viver” por algum outro qualquer. E em muitos casos, a família da adolescente é conivente com estas atitudes.
Cena do filme "Educação" (2009)
Em pouco tempo, a adolescente e seus pais descobrem que aquele moço tão educado, tão preocupado com as tradições familiares, na verdade era uma personagem. O Bom Moço de repente começa a se apresentar como realmente é, sendo que a adolescente começa a sofrer ameaças, aumentam as crises de ciúmes, até chegar muitas vezes, à violência física.
Este investimento em relacionamentos nada saudáveis, acontece muitas vezes, por causa do machismo enrustido nos novos padrões de família. Os pais aceitam a vida sexual de suas filhas adolescentes, mas desde que seja em um relacionamento sério, o namorado apaixonado. E aí percebe-se a máscara da nossa sociedade quando o assunto é liberdade sexual da mulher.
Desde novas, as mulheres devem ser moldadas a não ter liberdade sobre seu próprio corpo, mas sim seguir um padrão. O problema é que, pensando em preservar a “moral” de suas filhas, muitos pais deixam que homens mal intencionados aproximem-se delas, trazendo problemas que muitas vezes acabam por envolver toda a família.
Também aqui se pode acrescentar que estas pretensões precoces de casar e constituir família, podem fazer com que a adolescente não tenha outras direções na vida, deixando de lado o aproveitamento das conquistas das mulheres. Isto está relacionado, por exemplo, com o fato de estudar e ter uma profissão. Para algumas moças, como se estivéssemos num retrocesso, ter um marido e filhos representa o maior projeto que podem realmente ter grandes resultados.
A orientação sexual das adolescentes, vindos dos pais, é a melhor forma de fazer com que as meninas entendam a liberdade sexual da mulher. Devido sua falta de maturidade, ouvem e acabam reproduzindo muitas atitudes sem pensar. Com medo que suas filhas tenham um comportamento sexual “pouco adequado a sua condição de mulher”, os pais torcem para que apareça para suas filhas um pretendente bem educado, trabalhador, que esteja à procura de compromisso sério. Dentro de todo este contexto, surge o Bom Moço, com todas estas falsas qualidades, alimentadas e aprovadas pela sociedade machista.


Silvana Bárbara G. da Silva

Designer e pesquisadora. Militante em constante aprendizado pelas causas feministas, raciais e estudantis.

Postado no blog Blogueiras Feministas em 04/05/2012


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