A pedra no meio do caminho
A imprensa estrangeira ao que parece está mais atenta ao Brasil do que os próprios jornais brasileiros. Aliás, não que seja questão de atenção, a imprensa internacional apenas faz a lição de casa do jornalismo que, pelas terras de cá, já foi abandonada há tempos. Por isso, em editorial recentemente publicado pelo jornalista Mino Carta na revista Carta Capital, ele lembra que se o brasileiro quiser realmente saber o que se passa no seu próprio país, o melhor é que ele recorra à imprensa internacional.
Isso porque nas linhas da grande mídia nacional, o leitor brasileiro não encontrará muita coisa a respeito das recentes expulsões de muitas famílias nas principais cidades-sede do Mundial de 2014. O método no Brasil continua sendo o mesmo. Toda pedra que está no meio do caminho é simplesmente enxotada e essa pedra geralmente atende pelo nome de “povo”. Um povo tão pouco importante que não merece sequer a atenção da mídia nacional e que naturalmente deve dar licença para que as obras da Copa enfim possam aparecer.
É esse o raciocínio muito oportuno dos jornais brasileiros: o que não é por eles noticiado simplesmente nunca existiu e esse mesmo povo deixa de ser pedra no meio do caminho para ser simplesmente doutrinado por uma mídia que nunca o representou, tampouco pretende, e que acaba ela também doutrinada pela própria realidade que ela recria todos os dias.
Como bem diz Mino, “é o resultado inescapável do conluio automático, tácito, instintivo eu diria, que se estabelece entre barões midiáticos e fiéis sabujos quando consideram ameaçado seu desabusado apreço pelo status quo”. Conluio esse que emburrece o Brasil e que, apostando nessa mesma ignorância nacional, sustenta o “sacrifício de incontáveis cidadãos para a felicidade de empreiteiros, políticos e quejandos”, escreve Mino.
E esses cidadãos, como lembra o jornalista, e como quer a mídia nacional, não se indignam, não se revoltam, simplesmente vão deixando as coisas como estão, esvaziados de qualquer espírito de cidadania. No Brasil, as tempestades vêm fortes, mas passam rápido. Por isso, denúncias morrem como se nunca tivessem vindo à tona, escândalos de corrupção emudecem e a justiça continua servindo aos ricos. Aqui não se aprende com a pedra no meio do caminho, como queria dizer o poeta, aqui ela é apenas ignorada, ou chutada pra fora.
Veja trecho do texto:
Indignação, nunca
Por Mino Carta
O The New York Times na segunda 5 publicou com destaque uma reportagem sobre a situação dos cidadãos brasileiros enxotados de suas moradias por se encontrarem no caminho das obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. A história não envolve somente o Rio, mas também outras cidades-sede do Mundial de Futebol. CartaCapital denunciou as remoções forçadas na edição de 20 de abril do ano passado. Poucos dias depois, a Relatora Especial da ONU, Raquel Rolnik, denunciou as autoridades municipais envolvidas na operação, que desrespeita a legislação e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para a defesa dos direitos humanos.
Já então a relatora apontava diversas violações, “todas de grande gravidade”. Multiplicaram-se de lá para cá, inexoravelmente. Maus-tratos generalizados, “zero dias” de tempo para deixar a moradia, 400 reais de “aluguel social” enquanto o enxotado espera ser contemplado por algum demorado plano de habitação. Antes do diário nova-iorquino, nos últimos tempos levantaram o assunto outros jornais e sites estrangeiros, como The Guardian, El País, o Huffington Post. CartaCapital voltou a tratá-lo em janeiro passado, com uma larga reportagem assinada por Rodrigo Martins e Willian Vieira, intitulada “Os retirantes das favelas” para focalizar, entre outros aspectos, uma das consequências das remoções forçadas.
E a mídia nativa? Não foi além de raros e ralos registros. Para saber das coisas do Brasil, recomenda-se amiúde recorrer à imprensa estrangeira. Ou melhor, seria recomendável o recurso. No mais, vale reconhecer, a mídia tem sido eficaz na manipulação das informações quando não na omissão dos fatos, de sorte a se fortalecer na convicção de que eventos por ela não noticiados simplesmente não se deram. É o resultado inescapável do conluio automático, tácito, instintivo eu diria, que se estabelece entre barões midiáticos e fiéis sabujos quando consideram ameaçado seu desabusado apreço pelo status quo. (Texto completo)
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