Protesto de estudantes em Pernambuco desnuda a falácia da democracia brasileira.Por: André Lucas Fernandes de Recife para o Maria Frô
A foto é de André Nery
Eis os fatos: após uma decisão de cúpula formada quase que totalmente por pessoas ligadas aos partidos que apoiam o governo do estado, a situação de uma passeata pacífica, realizada por estudantes no centro do Recife, degringolou. Em meio a excessos dos dois lados – mas que fique claro excesso muito maior por parte do Batalhão de Choque de Pernambuco – o que se viu foram cenas de confronto urbano, estudantes acuados e a máquina repressora do estado usada de forma maléfica contra seus cidadãos.A confusão encontrou seu ápice em frente à centenária Faculdade de Direito do Recife que já formou grandes nomes que lutaram por um futuro menos nefando para esse país. Em meio à prisão sem sentido, falta de tato com o cidadão e afiamento técnico repressivo por parte da Polícia, até mesmo o território federal da Faculdade de Direito – que abrigou os estudantes que fugiam das bombas e spray de pimenta – foi alvo. Esse relato cru e neutro, extremamente sintético, faz referências aos acontecimentos da sexta-feira última, dia 20 de janeiro de 2012. Com os estudantes sitiados, restou o apelo à OAB e a promotoria de direitos humanos do estado que apareceram para criar um espaço de trégua de forma que cada um pudesse voltar para suas casas sem medo de reprimendas.A história voltaria a se repetir, e aqui a farsa que existe é a da democracia brasileira, na segunda-feira, 23 de janeiro de 2012. Dessa vez, diante de apelos, estudantes levaram flores e diversas manifestações de “abraço aos PMs” e coisas do tipo foram executadas. Novamente manifestantes que podem se encaixados juntamente com todos aqueles que não sabem exercitar a cidadania jogaram pedras, um cidadão infeliz cuspiu na câmera da Globo dando à platinada o que ela mais gosta, o show de horrores. Prontamente o NETV e, logo após, o Jornal Nacional divulgaram suas versões deturpadas e desequilibradas dos fatos.Ainda na segunda, o CHOQUE mais uma vez agiu com truculência. Nada justifica a ação de vândalos travestidos de reivindicadores, mas não tem argumento no mundo que possa proteger a polícia de sua inépcia técnica – ou talvez uma técnica perversa e muito bem aplicada para amedrontar o cidadão. Nesse balaio de inescusáveis entram o governador do estado, Eduardo Campos, o prefeito do Recife, João da Costa e os nossos vereadores e deputados, todos em absoluto silêncio (no blog Acerto de Contas, Pierre Lucena chegou a comentar que estavam com celulares desligados).É de se lamentar o silêncio daqueles que deveriam representar o povo. O que se vê nessa “arena” é a defesa de interesses próprios, e mascaramento da realidade. E o que se discute aqui é uma ação política que abusa da repressão para manter a “ordem” através do medo – bem me parece que os políticos e comandantes do Brasil leram Maquiavel toscamente, daquela leitura pobre que só apreende o aforismo ilegítimo “os fins justificam os meios”.As declarações via nota oficial da Polícia ferem os olhos de qualquer ser capaz de menor ponderação: “A ação do efetivo policial tem por objetivo garantir a lei e a ordem, bem como o direito de ir e vir dos cidadãos e a própria integridade física dos transeuntes e manifestantes, que no protesto tentaram interditar novamente as principais avenidas do centro do Recife. O efetivo empregado nesse evento possui treinamento especializado nesta ação e tem atuado sempre dentro dos limites da lei vigente”.O que se desprende da declaração é que não estamos diante de uma polícia mal treinada, mas de uma estrutura repressiva altamente especializada colocada estrategicamente em ação para disseminar o medo e silenciar o cidadão. As ruas onde as manifestações ocorreram são municiadas de câmeras de vigilância da própria Secretaria de Defesa Social do estado – fato alegado pelo próprio corregedor-geral de Justiça, José Sidney Lemos, ao aceitar a representação protocolada pelos alunos de Direito da UFPE e afirmar que através delas seria possível encontrar provas factuais dos abusos cometidos. Mais uma vez a realidade demonstra que estamos diante de uma “policia de rinha”, criada dentro da cultura do ódio e do desrespeito aos direitos basilares da Constituição Federal.Não é difícil também perceber o ranço histórico e criar o nexo lógico herdado da Doutrina de Segurança Nacional na famigerada ditadura militar, na qual, de forma grosseira, o inimigo da nação estaria dentro do país e seria identificado nos movimentos sociais organizados – a medida buscava atender o alinhamento imediato aos interesses ocidentais representados pelo baluarte liberalista norte-americano.O protesto da segunda-feira ampliou seu foco, e posso afirmar, o fez de propósito. Iniciou com uma contestação a um aumento de passagem unilateral que segue – graças aos governos de Jarbas Vasconcelos e Mendonça Filho – acima do índice da inflação, como mostrado no gráfico do blog acerto de Contas, ganhou fôlego ao trazer a questão da mobilidade urbana, e por que não, a própria questão urbana para o centro do debate. Os estudantes levantaram também promessa do governador Eduardo Campos que prometeu, durante campanha, abaixar impostos para diminuir o preço das passagens. Por fim, indo além, estudantes portavam cartazes que buscavam a defesa dos próprios direitos de uma categoria policial falida e deixada ao desalento e ao ócio improdutivo de uma estrutura estatal defasada e desumanizada.Importante notar que boa parte, senão a grande maioria dos policiais não estava com sua identificação em seus coletes. O velcro estava sem nada, no local em que se veria o nome e a patente do policial. Isso não só tem acontecido nos protestos. Hoje, durante a caminhada em direção a Corregedoria, os policias que de lá saiam também trabalhavam no mesmo padrão. Além, ficou nítida a operação de intimidação com um contingente de policiais enorme para um contingente pequeno de alunos em caminhada. Era possível falar em um policial para cada aluno, no mínimo.Alcançar o equilíbrio em momentos de tensão social não é tarefa fácil. Equacionar os lados em espaços iguais para concluir algo que seja, o mais justo possível, é uma ilusão no Brasil de hoje. Resta esse relato, de um estudante da ciência do Direito que proclama guardar os direitos e deveres do povo e organizar parte da estrutura do Estado.
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